Os principais jornais de circulação nacional desceram do muro e adotaram uma posição claramente contrária às greves e manifestações que infernizam a vida dos brasileiros. De quebra, começam a esclarecer os fatos quanto à Copa do Mundo: artigos, editoriais e reportagens procuram contextualizar a onda dos protestos que usam o campeonato mundial de futebol como escudo e passam a demarcar uma linha entre o direito à reivindicação de alguns e o direito de ir e vir da maioria.
Demorou. Todas as informações que agora embasam os argumentos da imprensa em favor de algum controle das manifestações já eram de conhecimento dos jornalistas há muitos meses. Por exemplo, há setores em greve que foram beneficiados recentemente com acordos para recomposição salarial e haviam concordado com planos de reajuste acertados no ano passado. Os jornalistas que cobrem o dia a dia desses setores sabem disso, mas no calor das greves os jornais se esqueceram de mencionar esse aspecto dos conflitos.
A imprensa agora reconhece que há grande dose de oportunismo em parte dos movimentos que levam grupos de manifestantes às ruas, mas andou misturando contextos diversos ao tratar com igualdade, por exemplo, famílias pobres que reivindicam o direito à moradia e funcionários de empresas de ônibus que descumpriram acordos firmados por seus sindicatos.
A sociedade precisa encarar a necessidade de incrementar a luta contra a miséria e a herança das muitas décadas de carência social, mas não deve ser obrigada a suportar o efeito colateral da disputa pelo poder em entidades sindicais que lembram organizações mafiosas.
Os danos causados pela onda de greves podem ser imaginados pelo leitor que se depara com a reportagem publicada nesta quinta-feira (29/5) pelo Estado de S. Paulo, que, num balanço sobre as paralisações no setor de transporte público, anota que pelo menos 2,5 milhões de pessoas foram prejudicadas pela falta de ônibus em quatro capitais em apenas um dia.
As perdas provocadas por outros movimentos, como as greves de policiais, não podem ser calculadas, já que estão relacionadas como causas de aumento de mortes violentas no período.
Clima de tensão
Na lista de reportagens, artigos e editoriais que confluem no sentido de exigir um limite para os protestos alinha-se o manifesto de intelectuais que cobram o cumprimento da legislação que garante o direito de ir e vir, observando que o interesse de 50 manifestantes não pode causar a paralisação da Avenida Paulista, parte do trajeto onde provavelmente acontece todos os dias o maior tráfego de ambulâncias do mundo.
Da mesma forma, algumas vozes tidas como sensatas por suas credenciais acadêmicas anotam que o clima de tensão provocado pelas manifestações afeta a economia, minando a confiança de empresários e trabalhadores.
Não se vai aqui afirmar, levianamente, que a imprensa é responsável por essa situação que agora condena. Mas pode-se, sim, observar que parte desse clima vem sendo alimentado por uma cobertura pífia, quando não tendenciosa, que se caracteriza pela profusão de meias-verdades.
Por exemplo, a cobertura deixou que se cristalizasse a ideia de que a Copa é uma iniciativa do poder público. Ora, se é papel da imprensa buscar a representação objetiva da realidade, seria de se esperar que, desde o primeiro cartaz dizendo “Não vai ter Copa”, os jornais tivessem respondido com a verdade dos números sobre o evento.
Sim, porque, se hoje até os índios que se manifestam na Esplanada dos Ministérios e os trabalhadores sem teto que tentam sitiar a Arena Corinthians gritam palavras de ordem contra a Copa, é porque a imprensa deixou que se espalhassem bobagens por aí – como a versão de que o dinheiro investido em obras para o torneio internacional de futebol poderia resolver o problema da moradia ou melhorar o sistema de saúde.
As informações oficiais sobre o que é gasto público e o que é investimento privado para a Copa do Mundo estão disponíveis há muito tempo no site criado para cumprir o protocolo de transparência acertado entre o governo federal e a Fifa em 2008 (ver aqui). Ali estão os argumentos que desmontam todo o arcabouço de justificativas usadas pelos que levaram os protestos ao paroxismo.
Se houve desvios, como fazem crer muitos indícios, cabia à imprensa denunciar, esclarecendo a quem cumpre cada responsabilidade. Mas a imprensa só acordou para o efeito nocivo das meias-verdades quando os protestos chegaram perto de ameaçar os lucros da festa.