Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O técnico e seus jornalistas

A conta é simples. Há mais de 700 jornalistas credenciados. Felipão resolveu falar com seis. Escolheu a dedo para quem se queixar. Mais que os ‘eleitos’, ele queria os veículos de comunicação.

Seu assessor pessoal de imprensa, que só está na Copa com o crachá da Sportv – empresa da Globo –, tratou de ir atrás desse seleto grupo que tem o coração de Felipão. E os pegou sem a menor discrição. Os arrancava de onde conversavam com outros jornalistas. Puxava pelo braço. Dizia: “Vem, vem”.

Quando em uma Copa do Mundo se é arrastado pelo assessor de imprensa do treinador da Seleção, não se recusa. Fernandinho Fernandes da TV Bandeirantes, Oswaldo Paschoal da Fox e Rádio Globo, Juca Kfouri do UOL, Folha, ESPN e CBN, Luis Antonio Prósperi, do jornal Estado e PVC da ESPN.

A situação foi surreal. A conversa poderia ter sido combinada de maneira discreta. Mas foi acintosa, querendo mostrar quem importava para Felipão entre as sete centenas de jornalistas na Granja Comary. Deu margem a se acreditar que o resto não conta.

Depois de 20 minutos de conversa, o assessor busca alguém do Rio de Janeiro, do jornal O Globo. Foi cômica a cena. Maurício Fonseca se recusou a ir. Disse que a reunião já havia começado há muito tempo. O repórter Carlos Eduardo Mansur aceitou pegar a conversa na metade.

Papel da imprensa

A estratégia não foi inédita. Em 2006, encurralado pelas críticas para a Seleção Brasileira, Parreira convocou também seis jornalistas com quem tinha bom relacionamento, e seus veículos, influência. Há muita chance de a ideia ser de Parreira para este encontro.

Tudo a partir daí ficou confuso para os próprios jornalistas. Encontraram Felipão, Murtosa e Parreira tensos. Com o trio pedindo palpites sobre o que estava de errado na Seleção. E o porquê de tanta cobrança. Cada convidado deu a sua versão.

Os jornalistas insistiram sobre o nervosismo do time. A falta de variação tática do time. Avisaram que o Brasil não era mais surpresa para nenhum adversário. E que era preciso parar com o choro dos atletas, que passava a imagem de descontrole, fraqueza.

Depois ouviram várias revelações que deveriam ser íntimas. O treinador disse que suas duas pilastras do time estão abaladas demais emocionalmente: Neymar e Thiago Silva. O questionamento já começa aí: por que expor peças tão fundamentais?

Afinal, era para manter segredo ou não. Dez minutos após a reunião, já estava em site o eixo central da conversa. Foi o sinal para o sexteto começar a trazer tudo à tona.

O que ganhou Felipão dizer que Thiago Silva não quer ficar marcado como capitão derrotado? E que carrega essa pressão desde a derrota do Brasil na Olimpíada de Londres? Isso não vai motivar o jogador.

Só serviu para lembrar os 694 jornalistas excluídos que o capitão da Seleção é uma pessoa já traumatizada. E por isso rezou, chorou e pediu para ser o último a cobrar pênaltis, depois de Julio César. Por medo de errar.

Dizer que ele e Neymar ‘viraram o fio’ emocionalmente é também expor o melhor jogador brasileiro. Permite a leitura que o camisa 10 de 22 anos não tem maturidade suficiente para a responsabilidade que exerce no time. Ou seja, as duas colunas do time não são sólidas.

Mais, Felipão teria dito que se pudesse, faria uma troca no time. Chamaria outro jogador que deixou de fora na lista dos convocados. Lucas? Ganso? Pato? Kaká? Alan Kardec? Imaginar o arrependimento fica por conta de cada um.

Mas há o outro lado. Que jogador é um peso morto entre os atuais 23? Alguém deveria sair para Scolari fazer a tal troca que não pode fazer. E aí, quais são os candidatos? A revelação é uma insanidade. Só traz mais insegurança a um grupo tenso demais.

Como não poderia deixar de ser. Houve a lembrança por Murtosa que a imprensa brasileira só gosta de falar do pênalti (simulado) de Fred. E despreza, por exemplo, a revelação de Robben. Ele teria cavado uma penalidade para a Holanda contra o México.

Murtosa não percebe que os 700 jornalistas que estão na Granja Comary estão para cobrir a Seleção. Não a holandesa. Muito menos vai escrever, falar sobre algo que não existiu. Como o pênalti que o Brasil ganhou de presente contra a Croácia.

Tempo desperdiçado

De acordo com quem esteve na reunião, Felipão cruzou outra fronteira perigosa. Teria dito que a Fifa não tem interesse nenhum em que o Brasil conquiste a Copa do Mundo agora. Nada de hexa. O país ficaria com muito mais conquistas que os rivais.

Tudo ficou muito no ar. Quer dizer que, alguma vez, a Fifa teve interesse em ver a Seleção campeã? E o Brasil que se prepare porque será prejudicado pela arbitragem?

Que tipo de vantagem um treinador campeão do mundo tem ao revelar seu medo mais profundo? Só traz mais pressão às arbitragens nesta reta final do Mundial. Segredo que deveria ficar na concentração brasileira. Não ser publicado em jornais, falado em televisões, rádios, Internet.

Aí chega a vez de Felipão deixar no ar que pode fazer uma mudança no sistema tático contra a Colômbia. Talvez colocar um terceiro zagueiro. Das duas, uma: ou ele quer confundir o técnico José Pekerman dando uma pista falsa e enganando os seis jornalistas…

Ou até pior. Felipão não tem convicção no seu sistema. E está anunciando em praça pública que vai fazer uma mudança profunda. Alterar a maneira de jogo que utiliza há mais de um ano. A três dias do confronto que vale a vaga para a semifinal da Copa. Pensa em Dante e adiantar David Luiz para fechar o setor de James Rodríguez.

Deixa claro que desperdiçou semanas em que poderia treinar um sistema tático diferente. Mas preferiu fortalecer fundamentos. Chutes a gol para jogadores que disputam a Champions League. Ensinar a bater na bola não é a prática mais correta a um time que disputa a Copa do Mundo se autoproclamando como favorito.

Efeito contrário

Todas essas revelações ao sexteto na verdade só fragilizaram a figura do treinador. O comandante do pentacampeonato em 2002 parece perdido. Não tem certeza do que faz. Precisa não só do apoio da imprensa. A quer como cúmplice em uma eventual derrota.

Felipão expôs seu grupo de atletas e a sua falta de convicção. Conseguiu ainda ter o ressentimento de 694 jornalistas, os excluídos. Deixou claro que a cobertura da Seleção tem castas, como o regime indiano.

Os seis escolhidos seriam os Brâmanes, os sacerdotes com maior sabedoria. Representantes da classe mais elevada da sociedade e que nasceram sobre a proteção do deus Brama.

Do outro lado da base da pirâmide social, os 694, estão os párias. Os excluídos da sociedade. Aqueles que não merecem a sabedoria.

Os convidados não têm culpa. Ninguém recusaria o chamado. Triste é a postura amadora de uma Comissão Técnica que foi duas vezes campeã do Mundo, com Parreira e Felipão. Expôs as mazelas do time e a falta de certeza que poderá cumprir a promessa de fazer esse time campeão do mundo.

E mais. Em vez de aproximar a imprensa da Seleção, conseguiu o contrário. O clima de revanchismo dos jornalistas aumentou e muito na Granja Comary. Se esse time não cumprir a promessa de ser campeão do Mundo, Felipão vai perceber o que fez…

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Cosme Rímoli é jornalista