Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Obama e o negro na TV brasileira

A vitória de Barack Obama traz a felicidade da batalha vencida contra os absurdos da experiência humana. Os EUA vão ter que conviver eternamente com a sonoridade do nome do presidente eleito, que remete a Osama, o Bin Laden, o satânico algoz daquela nação. O fato histórico remete à reflexão sobre o papel do negro na sociedade, na perspectiva de nova ordem mundial e, por analogia, aqui, ao aproveitamento dos atores negros na TV brasileira.

Desde as primeiras imagens de atores brancos interpretando negros com pesado make-up a Sérgio Cardoso, no estilo black face, vivendo com soberba competência um negro na novela A Cabana de Pai Tomás, baseada no romance H.B. Stowe, adaptada por Edy Maia, produzida em 1969, pela TV Globo, que não alcançou o sucesso esperado, a presença da negritude espelhada por brancos causou estranheza no público e na classe artística.

Na caricatura musical, assistiu-se a atores brancos rebocados de preto cantando Boneca de pixe, ou o clássico Nêga do cabelo duro ou saudando o carnaval com O teu cabelo não nega ou Mulata assanhada. O espaço para os afro-descendentes na TV limita-se à cozinha, prostíbulo ou senzala. Poucos se destacam no futebol e outros enchem a telinha de luz, magia e cores no carnaval. Enriquecem as emoções de cenas de assaltos, crimes hediondos ou com a favelização contemporânea da programação. Sim, a grande audiência da programação da TV aberta está concentrada na periferia das grandes cidades e, por isso, a favela e o negro viram personagens do horário nobre.

Esperança de igualdade

Aqui, como lá, a diferença social traz o preconceito revelado com anos de escravatura. O primeiro anúncio da propaganda brasileira descreve um feitor procurando ‘um negro fugidio, de bunda grande’. Outros eram identificados por furos, cortes e cicatrizes no rosto, o que caracterizou essa irracionalidade do mundo. Nos jornais de 1850, aparece ‘vende-se uma preta cozinheira de forno e fogão, boa lavadeira e mascata’. Outras ‘pretas’ eram alugadas para amamentar. Vendiam o néctar da vida que a senhorinha não tinha…

No universo da indústria cultural onde predomina o olho azul e a pele clara, o branco, os atores cor de chocolate, colored, ou protagonistas do cinema feijoada (iniciativa da associação de diretores e atores negros) são eternamente figurantes, pano de fundo, que pontuam a solidariedade, no estar por trás, para ser verdadeira a vida da cena. Embaixadores da dor silenciosa, capacidade camaleônica de renovação de personagens, escravos, capangas ou políticos corrupto são referências episódicas. E aquele sem números de rostos conhecidos, sem identificação nos créditos, que promovem a verossimilhança nas novelas com ambientação rural, na escravidão ou favela? Ainda estão sem o reconhecimento das empresas produtoras e não garantem lugar no mercado de trabalho. Outros são humilhados nos programas de humor. Sem citar a geração deserdada dos atores desaparecidos.

Mas o que Obama tem a ver com o universo da produção televisiva brasileira? O presidente eleito pela expressiva votação popular traz signos que representam a esperança de igualdade, de se escrever o novo capítulo da novela da vida, que Luther King idealizou para a história progredir: ‘Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter’ Que os atores negros possam sobreviver e semear sonhos num mercado de brancos.

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Jornalista, professor universitário e mestrando em Comunicação e Tecnologia