Primeiramente, louve-se a excelência da edição brasileira do Monde diplomatique (março de 2008), seja pela matéria de capa (‘Obama enfim, o fato novo’), seja pelos artigos a ela referentes. Os textos (‘O fato novo’, de José Tadeu Arantes, e ‘O fenômeno Obama’, de Argemiro Ferreira), presentes na edição mencionada, são primorosos na qualidade da escrita e no eficiente perfil traçado para o postulante da Casa Branca. O caráter localista da maior parte da imprensa brasileira tem negligenciado um dos mais auspiciosos momentos da história política mundial.
De início, deixemos claro que não se trata de nenhuma desmedida ilusão, ao imaginarmos, no posto de presidente dos EUA, um meio-negro e meio-muçulmano a ocupar os aposentos da ‘puritana’ e alva arquitetura da maior potência do mundo contemporâneo. Realmente, a história não poderia ser mais vingativa (e justa), em tornar Barack Hussein Obama o sucedâneo de George Walker Bush. A sonoridade do nome e dos sobrenomes parece rebater os três que compõem a identidade do antecessor. As duas matérias (a segunda, mais extensa que a primeira) conferem ao leitor brasileiro rico painel quanto à figura desse promissor candidato, a começar por sua sinuosa história pessoal que se soma à familiar.
É de se lamentar que a ‘grande imprensa’ brasileira esteja pouco inclinada para o tema. Há bastante tempo, a imprensa nacional demonstra sérias fragilidades quanto a abordagens de temas internacionais. O fato não diz respeito apenas à contenção de custos com correspondentes. Agrega-se também certa miopia cultural, atada a um autocentramento pobre.
Aposta no ‘desconhecido’
Num exercício de olhar prospectivo, tento imaginar o que seria a vitória de Obama no reduto dos democratas e, em seguida, a chegada à Casa Branca. Mesmo dado o desconto de que Obama, como presidente, não viesse a promover transformações mais ousadas – até pela tradição histórica (nos EUA, não são poucos os assassinatos daqueles que, em algum nível, ameaçaram interesses, desde Lincoln, passando pelos irmãos Kennedy, Malcolm X, Martin Luther King) – a eleição em si representaria um salto fantástico. A eleição de Obama seria um marco de mutação estética no imaginário cultural norte-americano.
Bem sabemos que, nos EUA, não é o voto direto do cidadão-eleitor que conduz esse ou aquele para o cargo máximo da nação. Todavia, a simples escolha de representantes que, em princípio, apoiariam a candidatura de Obama, para, em seguida, referendarem (ou não) no Congresso, já significaria um passo auspicioso. Quanto mais não seja, a eleição de Obama assinalaria a regressão à adesão beligerante que Bush, após o 11 de setembro, infundiu na maior parte da população. Outro fator sinalizaria o enfraquecimento do preconceito racial e cultural. Por fim, e, quem sabe, o mais importante: a aposta do eleitorado majoritário no ‘desconhecido’, numa espécie de aventura para o novo.
Salto qualitativo
Nesse particular, a simples presença de Obama na disputa já foi capaz de recrutar o interesse da juventude para a participação no processo político. É sabido o fato de estar no reduto de jovens o contingente de maior apoio a Obama. O registro nada tem a ver com devaneios de uma certa utopia perdida nos anos 1960 do século passado, e sim com a inserção da juventude que tem a coragem de olhar para o ‘diferente’ e querer experimentar o ‘desconhecido’. É nesse sentido que a presença do ‘fator Obama’ aponta para uma atitude de vanguarda estética, independentemente de o mesmo fator não vir a ser uma vanguarda política.
De resto, não tenho dúvida de que o próximo mandato pertencerá aos democratas. Nos EUA, a alternância entre republicanos e democratas segue um princípio aritmético. Basta pesquisar a história, excetuando-se Roosevelt: nenhuma força política permanece no poder por mais de oito anos, até pela dualidade das duas correntes que, grosso modo, movem os interesses econômicos nos EUA: a indústria extrativista (petróleo) + indústria bélica; capital financeiro + Wall Street. Resta, pois, aguardar o salto qualitativo, ditado por uma mutação estática no imaginário societário norte-americano. Que venha Obama.
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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da Facha, Rio de Janeiro, RJ