Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Oba-oba escapou dos cadernos esportivos: ficou pior

Parecia consensual: quando os desdobramentos políticos, jurídicos ou policiais da cobertura esportiva conseguissem transpor o condomínio dos cadernos especializados, suas mazelas e, sobretudo, a corrupção ganhariam uma exposição capaz de acabar com a impunidade que envolve estádios, pistas e quadras.


O raciocínio era perfeito: por mais que se esgoelem os jornalistas indignados com o que acontece além dos placares, o leitor jamais abdica da sua condição de torcedor – quer vibrar, xingar e sofrer comprometido com as suas cores e seus ídolos. E, para agradá-lo, as preferências vão, em geral, para o ângulo do esporte-paixão. O futebol-vergonha fica sempre em desvantagem.


A escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 produziu, no dia seguinte (quarta-feira, 31/10), promissoras manchetes não-esportivas. No final de semana, desvaneceram-se as esperanças de uma cobertura eficaz, séria, não-esportiva.


Em parte: o artigo ‘O Imperador da Copa’ da comentarista de política Dora Kramer (Estadão, sábado, 3/11, pág. 6) sobre as incríveis reinações do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, lavou a alma daqueles que têm noção do esgoto que corre debaixo dos gramados. Uma das mais contundentes peças já saídas da afiadíssima pena da jornalista (e maratonista).


A capa da revista CartaCapital (7/11) com o mesmo Ricardo Teixeira de cartola (evidentemente transferida para a sua cabeça graças aos recursos do Photoshop) não foi uma idéia feliz, mas a possante reportagem de seis páginas sobre o ‘oligarca do futebol nacional’ exibe o potencial de malfeitorias, ilícitos e delinqüências escondido nos subterrâneos do futebol.


As decepções vão por conta dos cadernos ditos de idéias dos jornalões paulistanos, o ‘Aliás’ do Estadão e o ‘Mais’ da Folhona (domingo, 4/11). Lamentáveis.


Corrupção, só en passant


Evidencia-se mais uma vez que ambos perseguem o mesmo leitor/leitora tipo mauricinho/patricinha até capazes de ler alguns parágrafos de uma pensata (argh!), mas incapazes de manter o ceticismo e o espírito crítico permanentemente acesos. No ‘Aliás’, as duas matérias (entrevista com o historiador do esporte Hilário Franco Jr., da USP, e texto do sociólogo José de Souza Martins, idem) são extremamente ricas em percepções fenomenológicas e análises políticas, tratam da corrupção, mas en passant – a edição não as valorizou. Futebol e cobertura de futebol são negócios, e com faturamento não se brinca.


Exatamente a mesma coisa aconteceu no congênere da Folhona. Ao analisar as ‘implicações políticas, econômicas e sociais de o Brasil sediar a Copa do Mundo’, o ‘+Mais’ ficou ‘–Menos’, apesar do número maior de matérias (quatro).


Nenhum dos dois jornalões teve a coragem de encarar um dado concreto: o episódio Copa 2014 é indecente. Ricardo Teixeira vai ganhar uma montanha de dinheiro, armou um esquema que o converterá num dos homens mais poderosos do país e, de quebra, obteve um habeas corpus até 2014. Como conseguiu? Baseado nos mesmos pressupostos morais que permitiram a construção de um monstruoso edifício chamado mensalão.


Só que desta vez a mídia será cúmplice.

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Jornalista