Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Obituário com estilo

Na entrevista de Matinas Suzuki Jr. concedida ao programa radiofônico do Observatório da Imprensa, em fevereiro deste ano, mencionou-se a nova proposta de obituário da Folha de S.Paulo, posta em prática a partir de 24 de outubro de 2007. Na seção dedicada aos mortos, inserida no caderno ‘Cotidiano’, publica-se notícia um pouco mais detalhada (com algum toque literário) sobre a vida de alguém que foi apenas um ser humano como outro qualquer… como qualquer um de nós.

A etimologia da palavra ‘defunto’ é sugestiva. O defunto se chama defunto porque desempenhou sua função na vida. Ao morrer, a pessoa entrega à memória de quem o conheceu uma possível biografia que, na maioria dos casos, ninguém escreverá. O obituário dos anônimos registra o resumo dessa obra improvável.

O jovem Willian Vieira inaugurou essa nova tarefa na Folha. O primeiro texto (para assinantes) foi sobre o estilista carioca Marco Maia. E durante meses foram surgindo pequenos retratos existenciais: Miguel Idalgo (para assinantes), primeiro patrão de Lula; Milton Domingos (para assinantes), o Carlitos de Jundiaí; a bibliotecária Rosemarie Horch (para assinantes), que gostava de sentir o cheiro do tempo nos livros que pesquisava…

A morte como denúncia

Textos curtos, carregados de uma nostalgia que não precisaríamos sentir, mas passamos a experimentar, como se aquele ou aquela que acabaram de seguir à nossa frente (obire, verbo que deu origem a ‘óbito’, significa ir à frente de alguém) pertencessem ao nosso círculo de amigos.

Aos poucos, o também jovem jornalista Estêvão Bertoni começou a ajudar o obituarista oficial e, desde outubro passado, tem assumido a função diariamente. Além de jornalista, Bertoni é integrante do Bazar Pamplona, banda de música em cujas canções e performances se nota a influência de Tom Zé. Numa de suas letras, Bertoni diz: ‘Num dia cor de laranja/ as pessoas são doces, e a chuva é de Fanta/ E se a saudade bater/ a banda toca, e os mortos se levantam’ (‘Dia cor de laranja‘).

Escrever sobre a vida de recém-falecidos, procurando prestar-lhes uma pequena homenagem, oferecer-lhes a menção honrosa de algumas linhas de jornal, pode driblar a nostalgia e ir além. ‘Flores para Vera’ foi o título que Bertoni escolheu para falar de Vera Lúcia Flores Leite (para assinantes), mulher que passou os seus últimos 18 anos lutando por uma causa perdida. Esquecemos, por alguns instantes, que se trata de obituário. A notícia daquela morte tornou-se uma denúncia.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br