A edição nº 58 da revista piauí trouxe a efeméride definitiva do donatário do futebol no Brasil: “Só vou ficar preocupado, meu amor, quando sair no Jornal Nacional.” Claro, Ricardo Teixeira se apoia numa parceria comercial com as Organizações Globo para ter sua conduta como presidente da Confederação Brasileira de Futebol justificada, e até legitimada, enquanto legal e livre de questionamentos, nos principais veículos jornalísticos desta empresa. Mas até onde essa imagem consegue ser predominante nos espectadores? E os outros veículos de informação e análise? Traço?
Nos idos de 1987, Henfil lançou seu filme Tanga – Deu no New York Times?, que não poupava de críticas bem-humoradas as principais representações políticas da época, como os militares, os grupos políticos de esquerda, a igreja e também a imprensa. O ditador do fictício país Tanga, onde não havia rádios nem jornais, mas 27 canais de TV, recebia o NYT com três dias de atraso por um parente na grande maçã e tomava como real apenas o que era apresentado nas páginas do jornal. O exemplar do jornal estadunidense, sempre queimado após ser lido pelo mandatário, era um instrumento para a manutenção e o exercício do poder. Certa vez, o tal parente resolveu mandar uma capa montada numa loja de impressão com a manchete anunciando a deposição do ditador de Tanga. A partir daí, os fatos vão transcorrendo assim como estão relatados no “falso” exemplar.
O russo Anton Tchekov, escritor de contos, novelas e obras para o teatro, abordava costumeiramente como a relação entre as pessoas na sociedade constrói as formas de perceber a realidade. Em “Amorzinho”, conto recentemente encenado no Teatro Glauce Rocha, no centro do Rio de Janeiro, a personagem Olenka é uma jovem casada com um produtor de teatro e repete com convicção todas as opiniões e impressões do marido sobre todos os assuntos, inclusive os relativos ao teatro. Pouco após o falecimento do marido, Olenka casa-se com um mercador de madeira e passa a ter “pensamentos” sobre tudo que envolvia o comércio de madeiras no país. Com a morte do segundo marido, Olenka, sozinha e vazia de assuntos, passa os anos envelhecendo e se lamentando.
Regulador do mercado
Há várias problemáticas pertinentes no entrelace dessas três situações. Uma delas é o papel da imprensa na formação das opiniões das diversas camadas da população. Olenka não é somente uma mulher solitária. É também alguém que retira todas as suas convicções de apenas um lugar. É a figura iluminista do aluno, um recipiente vazio predisposto a aprender com um professor – o marido da vez – que detém o conhecimento mais elevado. Já a população brasileira não pode pautar-se apenas nos veículos de comunicação de uma empresa. Precisa fazer valer seu direito à imprensa cada vez mais abrangente e descentralizada, que não tenha assuntos proibidos e não se omita quando é seu dever propor análises, sem omitir suas convicções. O número de telespectadores do Jornal Nacional ou de leitores do New York Times pode levar à enganosa conclusão deles serem mais importantes que outros veículos de menor audiência e os únicos a serem levados em consideração. Somente uma população capaz de perceber as diferenças e as semelhanças entre veículos e mídias pode posicionar-se diante dos mais diversos assuntos.
Cabe ao Estado o papel de regulador do mercado – com fins de evitar monopólios e privilégios a veículos alinhados politicamente ao governo –, o que fomentará a imprensa livre e plural, capaz de comportar as mais diferentes formas de pensar o país.
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[Igor Ferraz é estudante de Comunicação Social, Rio de Janeiro, RJ]