Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Olhos na Baía de Guanabara

Embora ainda pudesse ter se permitido uma pitada adicional de irreverência, já que o assunto é turismo e o caderno, Cidades, louvem-se a graça e o interessante da matéria ‘Fingers no Santos Dumont: oposição’, de Alexandre Rodrigues, Estadão, C1 14/9/05. É seguramente das grandes contribuições que os cariocas podem levar a um jornal paulistano isso de um senso humor particular. Possivelmente o autor tenha imprimido ao texto um tom a mais de sobriedade para não ficar completamente discrepante do mínimo de pudor exigido pela gravidade do cenário político nacional em meio a tantos escândalos. Mas afinal a vida fora de Brasília segue adiante e temos fome desta espécie de jornalismo-crônica.

Discute a matéria de Alexandre Rodrigues o conflito paisagismo versus arquitetura aeroportuária. Enquanto o projeto da Infraero prevê a instalação de fingers levando passageiros do avião diretamente ao terminal, há uma corrente de opinião que defende a manutenção do desembarque na pista. É fácil imaginar as conveniências e praticidades dos fingers, que isolam passageiros das intempéries de clima e evitam trânsito de gente e máquinas no mesmo nível.

Mas não temos neve nem Katrinas e o Rio de Janeiro continua lindo. O cenário que se descortina à porta do 737 ao lado do Aterro do Flamengo, com vista sobre o colar de montanhas da Serra dos Órgãos ali postadas em louvação da massa granítica colossal e esbelta que é o Pão de Açúcar, é genuinamente monumental. Embrulhar o espectador num tubo em alumínio só mesmo não havendo opção.

Antes do bisturi

Não conheço as estatísticas, mas a observação superficial sugere não ter o Santos Dumont nada a ver com o volume de tráfego de Congonhas, portanto São Paulo e Rio são casos bem diferentes.

Mantêm-se no Rio vários outros traços algo demodés, mas que preservam qualidades, são conquistas humanas que arejam o cotidiano e dão estilo à cidade. Os mocassins da Casa Moreira há mais de 50 anos repetindo exatamente o modelo consagrado, em bom couro e perfeita calçadura, o Bar Luis com suas cadeiras de pau e dezenas de outros botequins, o bondinho de Santa Teresa, a Colombo etc.

Sejamos por um momento mais como os europeus em relação a suas capitais, discutamos melhor antes de passar o bisturi numa instituição como é o atual desembarque na Belacap. Pois talvez exista forma de conciliar os interesses da modernidade e da tradição. E qualquer que seja a receita encontrada, cumprimente-se o jornalismo bem-humorado.

******

Dirigente de ONG, Salvador