Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olhou para os lados e descobriu o óbvio

Houve uma época de ilusão em que se pensava que os recursos do mundo eram inesgotáveis. Nesse tempo de faz-de-conta, sobretudo ambiental, a comunicação das empresas era baseada quase exclusivamente na publicidade denominada erroneamente entre nós de propaganda, que foi a grande legitimadora do tempo de excessos, desperdícios e maus hábitos.

Durante décadas, publicitários e a publicidade estiveram compromissados apenas com as vendas, daí o título de ‘especialistas em comunicação mercadológica’, dado o comprometimento com bandeiras, muitas vezes insensatas, de fazer o dinheiro fluir no mercado, alimentar as cadeias produtivas, os salários e influenciar comportamentos, que provocaram obesidade e se revelaram devastadores. Afinal, qual a racionalidade de estimular a troca do telefone só porque a cor não é a do momento?

A pergunta vale para tudo o que funciona e em curtíssimo espaço de tempo ganha a pecha de obsoleto, perde seu ar fashion e vai entulhar o lixo. Para isso a publicidade criou, durante o século 20, personas imitadas por milhões de consumidores. Celebridades inventadas e sacadas do mundo do entretenimento e tornadas personagens, marionetes do branding (comunicação que tem como referência a marca de produtos, de empresas e os seus atributos) insano.

Mas hoje, o número de gente e organizações não-governamentais pregando sustentabilidade, defesa da natureza e de todo tipo de verde, com apocalípticos em todo lugar, como ‘uma verdade inconveniente’, dá a impressão que o mundo se mudou para a beira do abismo. E ganham prêmios importantes: o Oscar para o filme do Al Gore, por exemplo. Até no recente filme de James Bond, Quantum of Solace (2008), a organização ‘Green Planet’, a partir de um discurso de defesa da natureza planetária, realiza um fabuloso roubo de água, não muito longe daqui, na Bolívia, forçando a migração em massa da população indígena e pobre.

Relações públicas

No campo estrito da publicidade e suas manifestações – anúncios, mensagens e posicionamento do negócio, por exemplo – avistam-se mudanças a trincar sua retórica. Por exemplo, no quarto congresso do setor, recentemente realizado depois de anos, muito se falou da necessidade da comunicação integrada, aquela que abrange todos os aspectos de uma determinada atividade ou produto, inclusive os éticos. Uma pseudo-descoberta.

Desde os anos 1970, os comunicadores empresariais trabalham a comunicação integrada, e a comunicação relacional. Uma pesquisa no acervo histórico da Aberje encontrará centenas de documentos que defendem o estabelecimento de uma comunicação que privilegie, ao mesmo tempo, os aspectos técnicos, éticos e estéticos.

A criatividade publicitária, durante muitos anos, se baseou no impacto de slogans e personagens e está deixando de lado a postura imperialista. Um sinal vem do Festival Internacional de Publicidade de Cannes, ao lançar uma categoria para premiar casos de relações públicas, em áreas como relacionamento com inúmeros públicos, entre outras. Finalmente parece que os publicitários resolveram olhar para os lados e acabaram descobrindo as relações públicas e o que vai valer daqui para frente: a realidade real estampada nos relacionamentos cotidianos.

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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)