Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Omissão alienante, “cunhadas” e identidade de classe

Depois de muita discussão e luta de uma pequena parcela de jornalistas – visto o tamanho da base da categoria, que conta com cerca de 4,5 mil profissionais no estado –, o “baronato” da mídia paranaense logrou novo êxito em face à fragilidade de seu rol de “colaboradores”. Após uma série de assembleias, reuniões e mobilizações (sempre com número reduzido), os jornalistas não conseguiram obter um aumento minimamente digno. Sem o respaldo de grande parte da categoria, a direção do sindicato endureceu até onde pôde, mas ao fim a soberania das assembleias decidiu que o melhor a fazer era aceitar uma primeira “migalha” jogada na mesa. Os jornalistas abocanharam um aumento real de R$ 6,55, que se soma à reposição de mais R$ 96,00, totalizando “exaltados” R$ 102,00, além de um retroativo que a patronagem quer parcelar.

As assembleias tiveram suas peculiaridades, primeiro pelo número de participantes. Abertas também para não filiados e inadimplentes, elas contaram com 185 votantes no Paraná, no universo de 4,5 mil profissionais e pelo menos 700 filiados ao Sindijor (Sindicato dos Jornalistas do Paraná). Em Cascavel, onde existem cerca de 150 filiados, 18 jornalistas apareceram para votar, sendo alguns destes não filiados. Ao todo, 110 votaram pela proposta patronal, enquanto 75 foram contra. Em Cascavel, a maioria dos 18 foi contra – 11 contra 7. Na vizinha Foz do Iguaçu, 18 contrários ante três satisfeitos com a proposta patronal. Enfim, o número de participantes – independente do resultado final – mostrou a omissão de grande parte da categoria no momento de se decidir o destino de toda uma coletividade.

Práticas de poder oligárquico

Outra peculiaridade das assembleias foi a denúncia de assédio moral contra o diretor do Grupo RPC (Rede Paranaense de Comunicação) diante de seus “colaboradores” de Curitiba. Esse teria anunciado que poderia “mudar o atual modelo da empresa cortando postos de trabalho” caso os jornalistas conquistassem mais do que os R$ 102 de ganhos. Não se sabe quanto essa “cunhada” influenciou nos “colaboradores” da sucursal da Vênus Platinada (detalhes em: http://acordajornalista.blogspot.com/). Enquanto desmandos e “cunhadas” vão acontecendo, boa parte dos jornalistas continua se identificando mais com patrões do que com colegas, aumentando a lógica de que pertencer a uma classe social não significa – obrigatoriamente – ter o sentimento de identidade a ela e tampouco a disposição de lutar coletivamente pelos seus interesses.

Todo o processo de negociação – que envolveu uma parcela pequena de trabalhadores, mas que buscava atingir a coletividade – mostrou o retrato de uma categoria que praticamente descarta seu órgão de representação de classe, quando o certo seria tentar fortalecê-lo para resguardar o mínimo que ainda se tem de autonomia da categoria. Uma amostra de desunião que sempre favorecerá a patronage. Isso é história – basta fazer uma breve pesquisa: a divisão dos trabalhadores sempre favoreceu o empresariado, independente do ramo de atividade.

Mesmo seguindo aprisionados em salários defasados e na usurpação da mão de obra jornalística, os trabalhadores seguem contentes na aura do “discreto charme da profissão”. Isso nos coloca em situação caricata, vivendo no nosso próprio mundinho, de nosso próprio comportamento social para ser aceito dentro de nosso nicho. Fazemos nossa própria consciência coletiva – deturpada – e só nos falta um manual básico de etiqueta própria. Enquanto isso, os donos da mídia seguem faturando alto – mentindo descaradamente que não – e rindo à toa com suas práticas que remetem aos tempos de poder oligárquico, uma espécie de relação feudal, com a presença de senhores que dominam não somente a força de trabalho, mas também o tempo e a personalidade – cada vez mais à venda – de seus “colaboradores”.

A dor fortalece a luta

É uma realidade venal, subserviente e de resignação, retrato da omissão e, principalmente, alienação da maior parcela de uma categoria que não se enxerga como classe. O jornalista segue com essa dificuldade de se entender como trabalhador, preferindo viver na lógica liberal do “cada um por si em busca de um lugar ao sol”. A identidade de alguns com o patronato faz parte da estratégia alienante de gestão das empresas e do contra-discurso de identidade de classe. Quando precisam é “nós” para os “colaboradores”, mas quando o assunto é faturar é tudo com eles.

Para terminar, eu não poderia ser injusto com aqueles que participaram das reuniões, assembleias e panfletagem em Cascavel – sejam filiados ou não –, além do representante do Sindijor no município, Fábio Conterno, que deu a cara para bater na tribuna da Câmara de Vereadores. Enfim, com ou sem pelegagem, a peleja deve seguir. Afinal, a dor fortalece a luta!

Obs.: Originalmente pelego é a pele com lã de carneiro que se coloca sobre a sela para que o cavalgar não machuque os quadris do cavaleiro, porém não se elimina o peso sobre o dorso do animal. Como o de pele de carneiro, o pelego, no sindicalismo ou entre os trabalhadores, se coloca sobre a categoria para servir aos interesses antagônicos aos seus.

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[Júlio César Carignano é jornalista, Cascavel, PR]