Um dos procedimentos mais importantes na imprensa, em especial a escrita, é a elaboração da pauta jornalística. Elaborar uma boa pauta representa um elevado percentual para uma boa matéria. Lembro-me bem das pautas que recebia como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo em São José dos Campos, na década de 1970. Eram elaboradas pelos jornalistas Raul Martins Bastos (chefe do Departamento de Sucursais e Correspondentes), Ariovaldo Bonas e outros também excelentes profissionais de imprensa.
Lembro-me bem de uma pauta do jornalista Raul Martins Bastos, publicada no ‘Caderno de Jornalismo’ do JB. Era citada, por professores de jornalismo e editores que conheci, como exemplo de pauta jornalística. Buscava tornar compreensíveis e acessíveis ao repórter os fatos a desvendar e levá-lo a enxergar os acontecimentos por todos os seus aspectos, ângulos e pontos de vista. Não era pauta apenas de quem conhecia o ofício de jornalista aprendido na escola formal ou da vida, mas de quem apreendeu a cultura jornalística capaz não só de conhecer e descrever os fatos, mas de enxergar as coisas do mundo sob todos os seus aspectos.
Trabalhar com uma pauta bem elaborada facilitava enormemente a coleta de informações e a redação do texto, de forma que o redator (copydesk) pudesse encontrar nas palavras usadas com precisão todo o cenário dos acontecimentos. E os títulos e subtítulos também acompanhavam o ritual jornalístico, reproduzindo exatamente aquilo que a matéria jornalística descrevia para os leitores. Não havia surpresas ou sustos. Nem para o repórter, muito menos para os leitores.
No dia seguinte, as surpresas
Hoje em dia, quando leio os jornais e revistas, fico em dúvida se aquilo que está publicado decorre de uma boa pauta jornalística. Apesar de toda a deficiência que se possa apontar nos cursos de jornalismo, o ofício também é capaz de ensinar através de uma boa pauta. É óbvio que deve haver o acompanhamento, a avaliação e a cobrança do trabalho de reportagem. Mas tudo começa por uma boa pauta jornalística.
E o que dizer do quase total desaparecimento do redator (copydesk)? A redução de custos parece que levou à solução ‘três em um’ (pauteiro, repórter e redator)! Ou, pelo menos, ‘dois em um'(repórter e redator). A eliminação de estágios intermediários numa linha de produção industrial pode levar à redução de custos e, às vezes, até ao aumento da produtividade sem perda da qualidade do produto. No caso da produção jornalística, no entanto, apenas se os profissionais empregados forem superdotados isto será possível. E eles existem, sim, mas não são tão numerosos a ponto de atender a todo o mercado editorial brasileiro.
E na busca de culpados pela perda da qualidade de jornais e revistas, sobra para os recém-formados, os focas, enquanto os escalões superiores mais preparados apenas escrevem bilhetes. Daí, aqueles que são capazes de escrever bilhetes sem erros ou mesmo alinhavar uma pauta razoável em cinco linhas, acabam induzindo os repórteres a apenas coletar as informações para confirmar a matéria que já está desenhada pelos editores. E, no dia seguinte, as surpresas – para repórteres e leitores. Principalmente nos títulos para interessar os leitores. Mas que nem sempre correspondem aos textos das matérias jornalísticas.
Melhorar a qualidade
Para escrever este artigo, e perguntar se a pauta acabou, li a excelente tese de Cristina Rego Monteiro da Luz, ‘A pauta jornalística e suas mediações’, apresentada e aprovada no Curso de Doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Um olhar acadêmico sobre a pauta jornalística, sua elaboração e estrutura. Defende a tese de que a pauta, generalista ou por editorias, é um instrumento referencial significativo e inexplorado no estudo sobre o processo de produção da notícia no Brasil. ‘Recurso organizacional nas redações dos maiores jornais do país, especialmente a partir da década de 50, a pauta revela ideologias, estruturas de poder, injunções políticas, econômicas e sociais ao longo da história da imprensa no país’, desvenda a tese. Ali descobri, também, que o cargo de pauteiro foi uma invenção nacional.
Consultando o amigo jornalista Ruy Lopes e sua vasta experiência, em especial como ex-editor chefe da Folha de S. Paulo, quando lia tudo que seria publicado, dele ouvi que uma boa pauta era uma verdadeira matéria jornalística. Sem dúvida alguma, os jornais e revistas deveriam recriar a editoria de pauta, que existiu no Jornal do Brasil em 1966, tendo como titular o jornalista Fernando Gabeira. Talvez assim melhorasse a qualidade de nossos jornais e revistas, e teríamos menos surpresas e sustos ao lê-los.
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Jornalista, São José dos Campos, SP