Comecei a descobrir o mundo nas aulas de História e Geografia do primeiro grau do Colégio Espírito Santo, longe poucas quadras de casa. Ali ele começou a tomar forma, ficou mais redondo, mais azul, mais político. Aprendi a calcular o fuso horário enquanto descobria curioso a localização de cada país. Depois, cada um desses países era dividido por continente, estudava-se a população, a moeda, a língua e se decorava a capital. Isso de todos. Lembro da salada que era na prova quando tinha que lembrar das duplinhas, país-capital, país-capital. Às vezes invertiam. Capital-país, país-capital. Das guerras, sabíamos pouco. Tudo se resumia em causas e conseqüências. Assim também eram com os movimentos sociais. A Revolução Industrial, a Francesa. Da professora de História, lembro até hoje. Era uma senhora que parecia não envelhecer nunca. Tinha dado aula pra minha irmã e continuava sempre igual, conservada, enérgica, falante e com seios fartos. Claro que eu e os colegas valorizávamos os outros talentos dela, mas aqueles outros dois, habitarão para sempre na nossa memória.
Outra que lembro com carinho é da professora de Geografia. Esta não era enérgica. Ao contrário. Era a mais parceira de todas. Provas fáceis. Opa. Falei. Além de nos apresentar o mapa-múndi, foi no primeiro dia de aula com ela que fiz os primeiros questionamentos a mim mesmo sobre o uso de tatuagens. Isso, tatuagens. Bem mais que hoje, àquela época tatuagem era coisa de gente, digamos, diferente. Ela tinha um borboleta colorida no pescoço. Não que eu seja um velho, mas isso pra época e num colégio de freiras, vamos combinar que ganhava um certo destaque. Bom, depois de ter chegado ao mundo, foi mais ou menos assim que o mundo chegou até mim. O resto dos detalhes a gente deixa pra um outro momento ou pra minha biografia autorizada.
Causas e conseqüências. País-capital, capital-país. Vegetação de todas as espécies e relevos de todos os tipos e dimensões. Foi assim que o mundo me foi apresentado. E acreditava que, sim, o mundo era mesmo este. Eu saberia mais do mundo em que vivia na medida em que lesse mais o livro e estudasse mais pra prova de Geografia ou de História. Isso era o mundo. Dois livros e quatro períodos de aula por semana.
Questiono se não merecíamos mais. Questiono que mundo era este que líamos na coleção de volumes da editora Ática (se não me engano). Questiono se o mundo que leio hoje, alguns bons anos depois daqueles, no jornal que recebo todos os dias, ensacadinho, encostado na porta da garagem, é o mundo que existe pra valer.
Questiono se o mundo de verdade tem um Estados Unidos assim tão grande, tão expressivo. Questiono se uma pseudo-guerra no Iraque é assim tão importante quanto dizem ser. Questiono se esses números de mortos são, na real, tão dignos de frieza… afinal seres humanos estão morrendo e eu leio, leio e as linhas não me convencem. Uma televisão venezuelana que transmita 24 horas de programação latino-americana vai me contar mais desse mundo?
Como se safar?
Percebem a minha angústia? Devemos mesmo acreditar na televisão, no jornal e na agência de notícias da mesmo forma que, inocentes, acreditávamos nos livros do primeiro grau? Que mundo lemos ou assistimos todos os dias?
A imprensa é a nossa interface com o planeta. Num país de pouquíssimos leitores de livros, a menos que tenhamos uma outra fonte alternativa de informação, somos abastecidos de conhecimento pela mídia. A menos que você leia. Se não, o jornal lhe contará todos os dias o que está acontecendo lá fora. Dirá, inclusive, com o que deves te preocupar, o que deves descartar e com o que deves te sensibilizar. A globalização fez a mídia mais perto de nós. Mas menos sincera. Fez o mundo bem menor. E talvez, por isso, incompleto.
Que mundo é este que você assiste, que você lê, que você ouve? Como se safar de uma mídia que funciona como uma agência de turismo para o nosso conhecimento? Hein?
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Estudante de Jornalismo da Unisinos/RS