Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Oração contra a tristeza

Escrevendo para o jornal brasileiro Gazeta de Notícias, dizia Eça de Queiroz, em artigo publicado a 8 de fevereiro de 1892, intitulado ‘A decadência do riso’, depois de citar Rabelais, que aconselhava ‘ride, ride, rir é próprio do homem!’:

‘Quando ele lançava esse salutar ditame, o mundo todo, em torno, era alegre e ria! A Meia Idade, a idade em que o homem mais bocejou (a um ponto que, na Bretanha, havia orações contra o bocejo) findara ou parecia findar’.

A seguir, Eça diz que ‘com ela findava esse irradicável desalento, tão bem simbolizado pelo velho Alberto Dürer, na sua gravura da Melancolia‘. A gravura mostra uma pessoa jovem e bonita, alada, sentada num laboratório repleto de instrumentos de artes e de ciências. Com a mão direita segura um instrumento e apóia a cabeça, coroada de louros, na mão esquerda. Um pouco atrás, à direita, um grande morcego tapa o Sol.

E imaginando a volta do famoso autor francês nos fins do século 19, diz o romancista português:

‘Decerto, folheando os nossos livros, cruzando as nossas multidões, vivendo o nosso viver, o bom Rabelais diria que ‘chorar é próprio do homem – porque o largo e puro riso do seu tempo não o encontraria em face alguma’. Nós, com efeito, filhos deste século, perdemos o dom divino do Riso. Já ninguém ri’.

Alegrias desconsideradas

Morando na Barra da Tijuca, no Rio, vejo um mundo bem diferente daquele contemplado por Eça de Queiroz. Escrevo do nascer do Sol ao meio-dia, quando tomo o rumo do campus Tom Jobim, na Avenida das Américas. Se prestasse atenção aos telejornais da noite anterior e me deixasse contaminar pelas notícias, não teria coragem de sair à ruas, tal o medo de ser fuzilado por algum semelhante, na guerra civil que a imprensa diz estar acontecendo no Rio de Janeiro todos os dias e noites. Não é mentira o que dizem as folhas, mas não é toda a verdade.

Nas ruas reina a alegria incontida do povo brasileiro, maravilhoso, corajoso, tolerante, compassivo, forte e cheio de energias. É tolerante demais até, principalmente com sua classe política e com a imprensa. Aquele mundo não é o mundo das pessoas e talvez isso explique a baixa tiragem de jornais e revistas. Quase ninguém mais dá destaque às boas notícias, só vale o que não tem valor nenhum.

Preciso conversar com dona Marina Baird Ferreira, de preferência num dos agradáveis jantares na casa de Sabato Magaldi e Edla van Steen, para ouvir de Ligia Marina que ela lê todas as minhas colunas, e sugerir que revise os abonamentos, quase sempre pessimistas do Aurélio, esquecido das alegrias da literatura brasileira.

O conto ‘Mulheres Abandonadas’, que está em meu segundo livro, Cenas Indecorosas, nasceu da leitura do verbete ‘mulher’ num dicionário antigo. Quase todos os sinônimos remetiam a prostituta. Bruta injustiça!

Vejo muitas alegrias que não saem na imprensa. Tampouco a alegria dos que caminham na orla é registrada. Nem a invariável alegria da equipe liderada pelo maître Damásio, que me traz um copo de vinho, um gole de grapa ou de licor sambuca.

E passa igualmente ignorada a alegria de turmas e turmas de Comunicação Social: será que os novos formandos vão mudar o jornalismo, ocupando-se também do que está dando certo em nossas vidas? Ou deixarão isso exclusivamente para a publicidade?

Houve muitas alegrias em 2005, mas elas não foram consideradas e isso pode nos encher de novas tristezas. Celebremos também o que deu certo, ora, pois!

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro), onde dirige o Curso de Comunicação Social