Ainda estou estarrecido ante o comentário de Luiz Carlos Prates na edição de terça-feira (16/11) do Jornal do Almoço, transmitido pela RBS TV. Mas se não for para digitar indignado, e sem copydesk, não terá graça. Como pode um jornalista, um homem que deveria ser um formador de opinião, fazer um comentário tão imbecil como esse? ‘Hoje, qualquer miserável tem um carro’ (Luiz Carlos Prates).
Diante de tamanha insanidade e falta de respeito com o próximo (se é que ele se acha próximo dos miseráveis e desgraçados), penso que chegamos ao fundo do poço. O que mais irrita não é apenas o comentário do psicólogo, jornalista e especialista em vitiligo, como se auto-intitula. Mas a aceitação desse comentário, por parte dos internautas, como algo que ‘muitos pensam, mas poucos têm coragem de dizer’.
Lembro do caso da triste celebridade de última hora, a Mayara Petruso. A xenofóbica estudante de direito paulista que solicitava o afogamento dos ‘nordestitos’. O problema não era a opinião de uma jovem acéfala, preconceituosa e mal educada, e sim, o apoio de vários outros jovens às suas declarações. Ali surgia o ódio gerado pelo preconceito geográfico. Agora, o problema é social. Mas podia ser pior. Imaginem um filho da Mayara com o Prates? Só restariam sulistas e ricos pelas estradas mais calmas do nosso país.
Trem de Florianópolis para Auschwitz?
Prates foi extremamente infeliz em seu comentário, contudo foi verdadeiro. Ele é muito infeliz. Já pediu disciplina militar e puxão de arreios nas escolas de ensino fundamental; afirmou que o Michael Jackson havia morrido quando não aceitou ser negro; foi jornalista da ditadura militar e afirma até hoje que o Brasil nunca cresceu tanto quanto naquela época; e acha que o ex-presidente Figueiredo nos ensinou o que é a verdadeira democracia. Ou seja, ele é isso… Um ser a ser lastimado.
O Brasil, antes conhecido mundialmente como um país em que as diferenças viviam em harmonia, está se tornando um rancoroso Estado, fruto do resquício da ditadura e de um grupo de pessoas que não aceitou as mudanças vividas nos últimos anos. Tudo isso disseminado por parte da sua imprensa manipuladora e arcaica e difundido também pelas asas do Twitter. Vivemos sob a égide do preconceito. E ele nos chega através dos velhos ex-jornalistas em atividade e de novos pseudo-intelectuais-acadêmicos e xenófobos internautas.
Mas a culpa é desse governo espúrio que facilita crédito de carro para miseráveis, como afirma o Prates. E ele foi mais além. Adjetivou de ‘desgraçados’ aqueles que paravam seu carro de um lado da BR para ver um acidente do outro lado da pista. Antes, pobre não podia viajar de avião; agora, Prates não deseja que andem de carro. Talvez o jornalista catarinense tente censurar os ônibus nas regiões metropolitanas num próximo comentário. Ou ainda colocar todos os miseráveis e desgraçados num trem e levá-los para um interior bem distante. Temos trem de Florianópolis para Auschwitz-Birkenau?
Senhores de engenho
E o problema não é só da Globo, ou da RBS (aquela mesma emissora onde o filho de um dirigente estuprou uma jovem e ninguém ficou sabendo pelo plim-plim). Como esquecer o ‘comentário infeliz’ do Boris Casoy definindo os garis como o nível ‘mais baixo da escala do trabalho’ em plena mensagem de Natal da Band?
Jovens paulistas quebraram lâmpadas no rosto de dois homossexuais. Foram detidos, mas já estão soltos. Boris Casoy se disse arrependido do ‘comentário infeliz’. Foi perdoado pela Band. O ridículo do Maynard chama o presidente da República de anta em um livro e foi se refugiar nos ‘States’. Agora, um fascista jornalista acusa o governo de facilitar a venda de carros para miseráveis e nada vai acontecer também. Só a Mayara foi demitida, coitadinha…
O slogan do atual governo federal não conseguiu expressar o sentimento do seu povo, infelizmente. O País de Todos não deve sair do controle dos poucos que sempre trataram com disciplina militar (como deseja Prates) os mais pobres. É vergonhoso entender o positivismo da nossa bandeira. Ordem aos miseráveis e Progresso aos que desejam sempre a alcunha de senhores de engenho. O resto é só preconceito e queixa dos miseráveis.
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Analista de marketing, Salvador, BA