‘Leblonzeiro, ecologeiro, A República Independente do Leblon, ambientalista ignorante, gente que sempre viveu nas praias e barzinhos de Ipanema e agora quer `salvar o mundo´, vigarista, maconheiro, comunista…’
Estes são alguns termos – note-se, os mais polidos, pinçados de blogs e artigos que tratam de problemas de meio ambiente e usados como ‘argumentos’ da turma que defende a política da motosserra.
A preservação ambiental é uma das grandes preocupações da humanidade para a sobrevivência física das populações. Em um passado recente acreditava-se serem infinitos os recursos naturais. Hoje os estudos do meio ambiente são feitos com apoio de áreas interdisciplinares que fornecem resultados objetivos da poluição atmosférica, das águas e solos; dos índices de desmatamento e suas conseqüências climáticas e na agricultura, bem como dos índices de empobrecimento das populações em função da degradação ambiental.
Mas a palavra ecologia, que originalmente seria um ramo da biologia, estudando as relações dos seres vivos com o meio ambiente, assumiu outros significados. Política ecológica passou a significar um marketing de governos ou empresas desonestas para dissimularem suas más intenções, criando imagens simpáticas e amigáveis. Por outro lado, os defensores da criminalidade ambiental, na sua busca desenfreada dos lucros fáceis, tentam desqualificar os ambientalistas honestos em nome de um suposto ‘crescimento sustentável’, onde crescimento significa pobreza para o povo e lucros para a minoria acolhida no poder. Sustentável refere-se às burlas da lei e a vitória da banda podre da sociedade.
Resistência a governos injustos
Mas a turma da motosserra, quando prega que sem depredação ambiental o mundo passará fome, e os que assim não pensam, são românticos alienados, defensores de uma natureza intocada, delirantes com teorias pseudo científicas, como da Terra como um organismo vivo ou do ‘índio ecológico’, saibam que há muitos anos, justamente poetas, filósofos e escritores foram os primeiros a apontar não só as maravilhas da natureza, como seus riscos, com grande objetividade.
Neste nosso passeio literário-ambientalista, nos transportaremos para lugares distantes, como Siracusa, Alexandria e Ilha de Cós, onde vivia o poeta Teócrito no século dois. Este escritor contribui para o gênero de poesia bucólica – nome que teve origem em uma palavra grega significando boiadeiro. Teócrito exaltava as virtudes e felicidades da rústica vida campestre, com seus pastores afeitos à poesia e competições musicais, sem deixar de ordenhar suas vacas, fazer seus queijos e penar ao sol. Entretanto poetas contemporâneos de Teócrito não deixavam de olhar a natureza do ponto de vista prático como atestam as poesias Theríaca, sobre as mordidas de animais selvagens e seus remédios, e Alexiphármaca, sobre os contravenenos.
Quando falamos do escritor norte-americano Henry Thoreau (1817-1862) nos lembramos de um opositor à escravidão, um defensor da vida simples em contato com a natureza e de um defensor dos direitos individuais dos cidadãos com a resistência civil a governos injustos. Suas obras A Desobediência Civil e Walden influenciaram Gandhi, Martin Luther King e Leon Tolstoi.
‘A passagem do homem terrível’
Em 1851, Thoreau passou a viver em uma cabana emprestada pelo filósofo Ralph Waldo Emerson, nas margens do lago Walden, próximo de sua cidade natal, Concord.
A par de suas reflexões e escritos, Thoreau registrou em um caderno os locais e épocas de florescimento de plantas, chegando a dados detalhados de mais de quinhentas espécies. Assim, logo no início da Revolução Industrial, este escritor já despontava como um climatologista.
Hoje, estudos modernos destacam que a temperatura média da região do lago Walden aumentou 2,4o C nos últimos cem anos e que 27% das espécies vegetais desapareceram.
Devemos, portanto, a Henry Thoreau, esta contribuição para entendermos um pouco mais os efeitos catastróficos do aquecimento global.
Voltemos ao Brasil, onde desmatar e depredar são moedas de troca política dos governantes.
Em 1902, Graça Aranha nos brinda, em seu romance Canaã, com belas visões de nossa natureza com pinceladas de cores impressionistas, sem, entretanto, realisticamente alertar sobre os danos ambientais, como por exemplo, nos arredores de São João Del Rei, em Minas Gerais:
‘Sobre o seu terreno acidentado, sulcos abertos e profundos indicavam a passagem do homem terrível que por ali desentranhou o ouro. A paisagem está toda marcada de cicatrizes das feridas da terra, que assim maltratada e hedionda clama às gerações de hoje contra a devastação do passado. O homem moderno, limpo de coração, não deixará de sentir um frêmito de terror, reconstruindo no espetáculo daquela paragem morta todo o quadro de uma época…’
O calendário do fogo
Cabe ao escritor Monteiro Lobato, que morou em Areias de 1907 a 1911, onde exerceu as funções de Promotor de Justiça, descrever, de uma forma dramática, em seu ensaio Cidades Mortas, a decadência desta região, no fundo causada pela irresponsabilidade ambiental, sendo um alerta para os dias de hoje:
‘… Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito. (…) Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de dantes. (…) …Léguas a fio se sucedem de morraria áspera, onde reinam soberanos a saúva e seus aliados, o sapé e a samambaia. Por ela passou o Café, como um Átila. Toda seiva foi bebida e, sob forma de grão, ensacada e mandada para fora. (…) …À mãe fecunda que o produziu nada coube; por isso, ressentida, vinga-se agora, enclausurando-se numa esterilidade feroz. E o deserto lentamente retoma as posições perdidas.’
Com estas palavras o escritor registrou um dos maiores e primeiros desastres ambientais no Brasil.
Em 1914, Monteiro Lobato também publicou, no jornal O Estado de S. Paulo, dois artigos protestando contra as queimadas na Mata Atlântica do Vale do Paraíba. No primeiro, intitulado ‘Velha Praga’, descreve as queimadas da Serra da Mantiqueira, ‘torrada tal qual as cidades e aldeias européias durante a Primeira Guerra Mundial’, descrevendo o calendário do fogo que, infelizmente, continua válido até os nossos dias:
‘Em agosto … lambeu montes e vales, sem um momento de trégua durante o mês inteiro … em começo de setembro chuvinhas de apagar poeira e, breve, novo `verão de sol´ se estirou por outubro adentro, dando azo a que se torrasse tudo quanto escapara à sanha de agosto … fins de outubro, chove … as velhas camadas de húmus destruídas; os sais preciosos que, breve, as enxurradas deitarão fora…’
Irracionalidade e violência
No segundo artigo, ‘Urupês’, Monteiro Lobato fala de um dos agentes desta destruição ambiental, que é a ignorância e a miséria personificada no caboclo, o chamado Jeca Tatu, aquele que:
‘…o fato mais importante de sua vida é votar no governo… vota, não sabe em que, mas vota.’
Hoje, infelizmente o nosso ingênuo Jeca Tatu, o urupê de pau podre, saiu do recesso das grotas e se transformou nas criminosas madeireiras, nos desonestos empresários e até em parlamentares escravistas.
Outro escritor que contribui, criticando hábitos injustificáveis de desrespeito ambiental é Mário Palmério, em seus romances Vila dos Confins e Chapadão do Bugre:
‘Mas o machado é ferramentão da silva. O caboclo experimentou no pau-bálsamo de três balsas de roda, por causa de um melzinho de jataí que deu de dar na forquilha de cima…
Difícil chegar à moita de coqueiro dona de cem palmitos? O caboclo toca fogo no capão de dez alqueires de pau de lei…’
E aqui fica um tributo aos literatos que há muito já se antecipavam aos homens de ciência, na defesa do meio ambiente, no fundo, do direito à vida.
Fica também uma crítica à imprensa, em particular, aos blogs que se dizem democráticos, mas abrem espaço para a irracionalidade e a violência das agressões verbais.
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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ