A educação é importante demais para ficar apenas nas mãos dos educadores. É este o pensamento implícito – apenas uma inferência, pois não possuo poderes telepáticos – de alguns articulistas que escrevem sobre o tema, e pertencem a áreas como economia e administração de empresas.
Por exemplo: Gustavo Ioschpe, mestre em Economia Internacional (pela Universidade de Yale, onde George W. Bush se formou), que escreveu recentemente, na revista Veja (30/8/ 2006), o artigo ‘A opção pelo subdesenvolvimento’. O próprio autor argumenta:
Apesar da resistência que educadores e pedagogos têm à intromissão de economistas, empresários e afins em seu território, é neles que se encontrará a revolução educacional de que o país necessita. Porque esses grupos conseguem deixar de tratar a educação unicamente como um fim em si mesma para entender que ela tem um papel vital – e urgente – a cumprir no desenvolvimento do Brasil.
É ‘neles’, nos economistas, nos empresários bem-sucedidos, nos verdadeiramente antenados, é ‘neles’ (ou mediante suas ações, imagino) que se fará a revolução educacional. Pois, ao contrário dos especialistas em educação (que se não são revolucionários são reacionários, talvez?), os economistas e afins tratam-na como meio para finalidades mais urgentes.
Os culpados
A crítica aos educadores e pedagogos baseia-se em números e indicadores, que esmagam, com sua concretude, o dia-a-dia das salas de aula, as dissertações e teses das nossas faculdades de pedagogia, os estudos dos herdeiros de Paulo Freire, as pesquisas e práticas construtivistas, as metáforas de um Rubem Alves, os sonhos de um Gabriel Chalita…
Para Gustavo, a desigualdade escolar causa a desigualdade de renda e, como resultado fatal, a violência desesperada dos que não querem repetir a história dos seus pais, trabalhadores despreparados que passaram a vida em subempregos:
[…] diferentemente do palavrório de alguns, os trabalhadores brasileiros não ganham pouco por ser vítimas de uma elite branca e má, mas por ser pouco produtivos. São assim porque a escola falhou com eles. Enquanto ela continuar como está, tendemos a seguir sendo um país irrelevante para o mundo e desalentador para os brasileiros.
Equação simplista: ganhamos mal porque somos improdutivos, e somos improdutivos porque nossa escola falhou. Gostaria de perguntar então por que os professores (que estudaram) ganham pouco. Punição por improdutividade? Ou seus salários são baixos para que leiam menos, estudem menos, produzam menos?
E por que nossa escola falhou?
Outro economista, Claudio de Moura Castro (mestrado também pela Universidade de Yale e doutorado na Universidade de Vanderbilt), para quem ‘a educação é combustível do crescimento no Brasil’, explicou em edição especial da Veja (27/12 2000), que, embora tenhamos um ótimo parque de ensino superior, ao menos no contexto da América Latina, o ensino fundamental e médio deixa muito a desejar. E ‘o calcanhar-de-aquiles de nossa escola de 1º e 2º grau’, segundo ele, são os professores!
Mais uma vez os educadores, pedagogos, professores são grandes culpados pelo subdesenvolvimento do país. Os economistas lidam com estatísticas e julgam os mestres… que lidam com pessoas em formação. Com pessoas, crianças, jovens, famílias, cujos destinos dependem, não apenas da escola, mas sobretudo das decisões políticas e econômicas de quem manda no país.
Voluntários e amadores
Stephen Kanitz, doutor em Ciências Contábeis pela USP e master in business administration pela Universidade de Harvard, também atribui aos professores boa parte da responsabilidade pelo ensino que falha. Mais uma vez a fonte é a revista Veja (14/5 2003):
Muitos professores se limitam a elaborar resumos malfeitos dos grandes livros. Quantas vezes você já assistiu a uma aula em que o professor parecia estar lendo o material? Seria bem mais motivador e eficiente deixar que os próprios alunos lessem os livros. Os professores serviriam para tirar as dúvidas, que fatalmente surgiriam. […] Talvez devêssemos pensar em construir mais bibliotecas antes de contratar mais professores. Um professor universitário, ganhando 4.000 reais por mês ao longo de trinta anos (mais os cerca de vinte da aposentadoria), permitiria ao Estado comprar em torno de 130.000 livros, o suficiente para criar 130 bibliotecas. Seiscentos professores poderiam financiar 5.000 bibliotecas de 10.000 livros cada uma, uma por município do país. […] Não quero parecer injusto com os milhares de professores que incentivam os alunos a ler livros e a freqüentar bibliotecas. Nem quero que sejam substituídos, pois são na realidade facilitadores do aprendizado, motivam e estimulam os alunos a estudar, como acontece com a maioria dos professores do primário e do colegial. Mas estes estão ficando cada vez mais raros, a ponto de se tornarem assunto de filme, como ocorre em Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams. Na próxima aula em que seu professor fizer o resumo de um livro só, ou lhe entregar uma apostila mal escrita, levante-se discretamente e vá direto para a biblioteca.
Se os professores são o ‘calcanhar-de-aquiles’, o ponto fraco do sistema educacional (ou serão o bode expiatório?), os economistas e empresários, que preferiram aperfeiçoar-se em instituições do exterior, certamente devem conhecer o pulo do gato. Caso contrário, o que vendem é gato por lebre?
Cristovam Buarque também é economista, doutor pela Sorbonne. Seus lemas, sua plataforma, suas propostas, sua candidatura, todos os seus atuais projetos atribuem à educação papel preponderante. A revolução educacional deverá seguir um modelo, a exemplo dos serviços padronizados do Banco do Brasil no país. Padrões mínimos para a infra-estrutura física e para os currículos. O futuro presidente, copio texto do site de Cristovam Buarque, ‘deve trazer para seu colo a responsabilidade pela educação básica e padronizar salários e formação do professor, além do conteúdo em todas as escolas do País’. Concretamente, e agora afinal uma proposta econômica explícita, o professor a ser respeitado como profissional deve começar a ser remunerado de maneira condizente: ‘Vamos definir um salário mínimo para o professor, R$ 800’.
Para isso servem os economistas, para ensinar os governantes a gastarem mais com os professores, exigindo-lhes compromisso, natural contrapartida.
Porque culpar os professores pelo fracasso do ensino é cômodo, e injusto. É ainda mais fácil exigir a revolução educacional, esquecendo que os ‘soldados’ dessa desejável revolução foram e são tratados como meros voluntários ou eternos amadores que, desvalorizados no discurso e na folha de pagamento, têm dificuldades para comprar um livro de R$ 40.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br