Um dos assuntos mais comentados dos últimos dias nos noticiários culturais foi o pedido do ex-baixista do Pink Floyd Roger Waters para que Gilberto Gil e Caetano Veloso cancelassem sua apresentação em Israel como forma de boicotar o Estado sionista que, há mais de seis décadas, é responsável por inúmeras atrocidades contra o povo palestino. Através de duas cartas endereçadas aos cantores baianos, Waters advertiu que “tropicália não combina com apartheid” (em referência ao confinamento imposto por Israel aos palestinos).
Em resposta ao músico britânico, publicada na íntegra pelo jornal O Globo, Caetano Veloso agradeceu os esclarecimentos sobre a situação política da região da Palestina, mas, talvez motivado por interesses puramente financeiros e esquecendo o passado de engajamento em causas sociais, afirmou que não cancelará a apresentação marcada para Tel Aviv. Por outro lado, muitos podem afirmar que música e política não se misturam, mas querer separar a arte de seu contexto histórico é uma atitude ingênua e demasiadamente equivocada. Não há instância social que seja uma “ilha”, ou independente das demais áreas. Os próprios Caetano e Gil sentiram na pele as piores faces da relação música e política quando foram expulsos do Brasil na época da ditadura militar.
Sendo assim, é extremamente paradoxal um compositor que crítica os “podres poderes” (como Caetano na música homônima) ou um músico que canta “a paz invadiu meu coração” (verso de uma composição de Gil) se apresentarem justamente em um Estado que representa o que há de mais podre no poder e, não obstante, está longe de promover a paz. Ao aceitarem o convite para cantar em Israel, Caetano e Gil demonstram omissão em relação ao maior genocídio do mundo contemporâneo.
“Quem te viu, quem te vê”
Ademais, há alguns anos os dois músicos tropicalistas têm tomado atitudes que são totalmente incongruentes com a militância política do passado. Na década passada, ambos tiverem posturas extremamente retrógradas ao se oporem à campanha promovida pelo cantor Lobão em favor da numeração de CDs (o que garantiria maior transparência à relação músicos e gravadoras). Caetano Veloso e Gilberto Gil também foram integrantes do “Procure Saber”, grupo de artistas contrários à publicação de biografias não autorizadas. Todavia, foram vencidos pelo STF, que considerou a ideia de vetar determinadas biografias de personalidades públicas uma afronta ao princípio da liberdade de expressão, consagrado na Constituição de 1988. Prevaleceram o bom senso e liberdade de expressão: uma vitória dos preceitos democráticos.
Ironicamente, quem tanto sofreu com a censura estatal, queria impô-la às editoras e aos biógrafos. Em suma, aqueles jovens que nos lendários anos 1960 queriam mudar o mundo, hoje são senhores caricatos que apoiam tudo que há de mais careta, conservador e antiquado. Como diria Chico Buarque, conhecido amigo da dupla Gil e Caetano, “quem te viu, quem te vê”.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG