Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os limites da linha dura

Tottenham, ponto de partida dos distúrbios no sábado (6/8), é a zona com o maior nível de desemprego de Londres e uma das dez mais pobres do Reino Unido. Com 75% de cortes no orçamento do bairro, desapareceram os clubes juvenis, essenciais durante o verão e as férias escolares. Com tanto tempo livre nas mãos, com uma desigualdade onde as receitas dos mais ricos cresceram 273 vezes mais que as dos mais pobres, em uma sociedade na qual o dinheiro se converteu em valor supremo, surpreende realmente que estes fatos ocorram?

Na Câmara dos Comuns o discurso da linha dura refletia a visão da maioria dos britânicos, horrorizados pelos distúrbios e saques dos últimos dias. Com seu pedido de condenações exemplares e expeditivas, o primeiro ministro David Cameron e o líder trabalhista Ed Milliband interpretavam um clamor generalizado. Na democracia, nada pior que os atos reflexos pavlovianos dos políticos.

Uma análise da realidade carcerária mostra que estas explosões não serão solucionadas com uma varinha mágica. Na Inglaterra e no País de Gales, a população carcerária supera já um recorde histórico com seus mais de 85 mil reclusos. Em 80 das 132 prisões na Inglaterra e no País de Gales há presos amontoados. A ideia de que a prisão recupera não condiz com os fatos. Cerca de 59% dos sentenciados com mais de 12 meses voltam a cometer delitos. Entre os que cumpriram mais de dez anos, a porcentagem de reincidência se eleva para 77%. A possibilidade de reabilitação quando a maioria dos detentos passa entre 16 e 22 horas encerrados em celas com até três pessoas não costuma ser muito grande. Faz sentido fazer essa população aumentar com as entre 1.500 e 3 mil pessoas detidas pelos recentes distúrbios?

Entre os que buscam uma reforma do sistema penal, há muitos que pensam que seria muito mais benéfico a aplicação de uma justiça reparadora. Segundo essa escola de pensamento, os saqueadores de lojas e casas deveriam encontrar-se frente a frente com suas vítimas para compreender o impacto de suas ações. Centenas de horas de trabalho comunitário poderiam ajudar a uma reabilitação de jovens e adolescentes que colocaram as suas vidas e as de outras pessoas no fio da navalha em momentos de vertigem e exuberância coletiva. Mas, no momento, a opinião pública mais visível exige castigos.

Debate público

Um exemplo desta tendência foi a primeira petição que alcançou esta semana as 100 mil assinaturas exigidas pela lei para que a Câmara se veja obrigada a debater um tema. A petição exigia que se retirassem todos os benefícios sociais dos participantes dos distúrbios. Por sua parte, o governo e os municípios começaram a falar de tirar as moradas estatais subsidiadas de quem cometeu delitos similares. O castigo seria coletivo. Não importa que se trate de um adolescente que escapou da vigilância dos pais: a família inteira pode perder a casa.

Esta opinião pública não quer ouvir falar de problemas socioeconômicos ou culturais. Ed Milliband e o trabalhismo mencionaram este último aspecto, mas em último lugar como quem pede desculpas, temendo ser acusado de simpatizar com os distúrbios. O líder trabalhista começou recordando que o próprio primeiro ministro, quando estava na oposição, considerava que compreender um fenômeno era uma boa ideia, não para condená-lo, mas sim para lidar melhor com ele. “Este é um fenômeno muito complexo. Aqui temos um tema de responsabilidade de toda a nossa sociedade, de cima a baixo, incluindo os pais. E há um tema de esperança e aspiração. Temos que oferecer oportunidades que sirvam para evitar a ilegalidade”, disse Milliband.

Com muito menos limitação política, um comentarista do matutino The Guardian, Seumas Milne, criticou a criminalização do problema. “Se o que ocorreu esta semana é pura criminalidade e não tem nada a ver com a repressão policial, o desemprego juvenil, a desigualdade social ou a crise econômica, por que está ocorrendo agora e não há uma década? Por que ocorre nos bairros pobres?”, assinala Milne.

Tabloides marcam o ritmo

Tottenham, ponto de partida dos distúrbios no sábado passado, é a zona com o maior nível de desemprego de Londres e uma das dez mais pobres do Reino Unido. Com 75% de cortes no orçamento do bairro, desapareceram os clubes juvenis, essenciais durante o verão e as férias escolares. Com tanto tempo livre nas mãos, com uma desigualdade onde as receitas dos mais ricos cresceram 273 vezes mais que as dos mais pobres, em uma sociedade na qual o dinheiro se converteu em valor supremo, surpreende realmente que estes fatos ocorram?

A maioria das pessoas não só se surpreende, mas se escandaliza. Os tabloides marcam o ritmo. O Daily Mirror, do poderoso grupo Trinity Mirror, qualificou os saqueadores como “bandos de descerebrados”. O Daily Mail os chamou de “anarquistas” e o The Sun, do grupo Murdoch, foi ampliando sua gama de adjetivos, passando de “oligofrênicos” e “gangsters” a “idiotas”. É de estranhar que entre a própria população tenham aparecido cartazes com a inscrição “Looters are Scum” (“Os saqueadores são lixo”)?