Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os negócios ou as negociatas para o futuro do Rio

Nas rodas de discussão, o assunto é exaustivamente o mesmo: a corrupção generalizada, que está entranhada em todas as divisões dos poderes constituídos. No Rio, uma tragédia pessoal do governador desencadeou uma avalanche de bilionárias denúncias, que em parte são levantadas e divulgadas ironicamente por um expert no assunto, um ex-governador que notoriamente praticou atos similares e que, descaradamente, supõe que ninguém deve se lembrar mais disso. Eleitor tem memória curta, já dizia o alcaide.

No município escândalos para todos os gostos estão sendo abafados, porque senão todas as jogadas armadas podem ser abortadas sem reeleição. Mesmo com este cenário, os vereadores e deputados continuam desfilando com total indiferença para com os interesses da coletividade e entupindo a pauta com datas festivas e premiações a pessoas suspeitíssimas, por méritos estapafúrdios. Ética é uma palavra definitivamente fora de moda.

Já aquela mídia “sem noção” que enxerga um Rio em franca recuperação deve andar de helicóptero, já que andar 10 km/h de carro é uma coisa que hoje em dia definitivamente certas pessoas não fazem mais, pois só desta forma se pode explicar o total descolamento do que acontece nas ruas e a insistência em se manter projetos estapafúrdios. Esta semana essa mesma imprensa nos brindou com um editorial “fantástico” sobre uma oportunidade de se conter a favelização. Lá entre as habituais pérolas “chapa branca”, como acenar com a urbanização de todas as favelas até 2020, destaca haver “recursos para bancar programas de urbanização, bem como verbas para obra de infraestrutura em vias públicas, saneamento, habitação e transporte (embora nesta última rubrica, ainda permaneçam demandas estruturais, como as da metrolização da via férrea, ao passo que, no entanto, que a adoção do bilhete único nos sistemas municipais e estaduais tenham sido um significante passo à frente)”.

Um conceito comprovadamente equivocado

Entrementes, não são exatamente essas demandas estruturais que estimulam a favelização? Por que um trabalhador em sã consciência trocaria um espaço decente longe do trabalho para morar numa favela íngreme, em cubículos exíguos, sem ventilação e pagando mais caro? Lembrando que o bilhete único apresentou problemas, porque a viagem demora mais do que o permitido (2 horas) entenderemos por que o centro da cidade fica cheio de gente que prefere dormir na rua a ir para casa. Será que esses senhores conhecem esta realidade? Daí a expansão das favelas e seu espantoso incremento (1020), o que, de quebra, ainda garante votos que elegem políticos bastante suspeitos, sem falar nos programas Favela Bairro, em que, “supostamente”, era “vintinho para o poder público e vintinho para o empreiteiro”, segundo confissão orgulhosa do próprio. Isto é fato consumado e explica o enorme interesse nesse tipo de projeto. Quem fiscaliza? Pobre reclama? No Pavão-Pavãozinho entregaram uns apartamentos com o costumeiro alarde. Vieram as chuvas e, curiosamente, no morro todo só houve problema nessas novas construções, porque o acabamento não resistiu à primeira chuva.

O problema é que este tipo de comportamento está se entranhando até no meio universitário, onde os professores que são amados por seus alunos correm o risco de se desmoralizarem por participar ativamente de obscuros processos. Dois escritórios de arquitetura querem impugnar o resultado do concurso Porto Olímpico, que definiu o projeto das instalações a serem construídas na região portuária do Rio para as Olimpíadas de 2016. Eles acusam o vencedor da disputa de ter acesso a informações privilegiadas sobre o concurso. O processo seletivo é promovido pelo IAB-RJ (Instituto dos Arquitetos do Brasil, unidade Rio) em parceria com a Prefeitura do Rio. Um dos perdedores afirma que o ganhador “coordena um outro concurso do IAB-RJ e a família dele é dona da construtora que vai executar a obra. São muitas ligações irregulares” (Folha de S.Paulo). E a hora que estourar um escândalo de malversação de verbas neste favela-bairro? Aliás, um país que pretende ser a quinta economia mundial não tem vergonha de condenar seus cidadãos a morar nesse tipo de “habitação” e isto ainda tem de ser endossado pelo IAB? Alguém explica por que este instituto e, consequentemente, a categoria, têm que apoiar e ratificar por concurso público um Centro de Convenções Internacional em que todos os envolvidos sabem que o conceito está comprovadamente equivocado, sendo que sua execução travará a revitalização econômica do município?

Obscuros incentivos fiscais

Hoje o Rio voltou à moda. O que faremos para perpetuar isto? É irrefutável a vocação natural do Rio para o turismo, mas qual é a relação do setor com isso? O Prefeito já declarou que “a rede hoteleira sentou no trono e está deitada em berço esplêndido feliz da vida com as tarifas que pode cobrar e com os poucos investimentos que precisa fazer”. E o que ele fez, faz ou fará para mudar isto?

O diretor executivo da Rio Negócios, o fomentador da política pública municipal, teve que fazer uma “pesquisa real” para descobrir o número de quartos do Rio, já que nem esta simples informação estava disponível, porque o setor é uma caixa preta. Aliás, qual é mesmo a afinidade do segmento com a cidade? Em Barcelona, o turismo é seu principal pilar, responsável por mais de 50% da produção industrial movimentando todos os mais diversos setores. Por que não há preocupação da Firjam, com o desenvolvimento da atividade que, desenvolvida, levará o Rio à vanguarda mundial em curto prazo, aumentando a produção industrial de forma cristalina e beneficiando toda a sociedade?

Há um compromisso assinado com o Comitê Olímpico Internacional para aumentar o número atual de 26.558 quartos para 47 mil. O Rio cobra a maior tarifa média do Brasil, cerca de R$ 280,00, que é 8% maior do que a segunda colocada São Paulo, porque a oferta é menor do que a demanda. Como este negócio é disputado mundialmente à tapa, por causa de seus números bilionários, da geração de empregos e, principalmente, por causa da qualidade de vida que a atividade desencadeia, chama a atenção como a prefeitura estranhamente está propondo que a meta seja alcançada. Ao invés de desenvolver de forma consistente um potencial que é considerado unanimemente como o maior do mundo, levando o Rio à dianteira mundial do setor em curto prazo e aumentando a arrecadação em bilhões de dólares, o que produziria uma modernização de toda a infraestrutura física e de serviços para desenvolver qualidade de vida, e beneficiando a todos comprovadamente, ao incentivar uma revitalização socioeconômica, cultural e ambiental do RJ, resolveu conceder obscuros incentivos fiscais. Inexplicavelmente, sem um plano diretor que norteie seu futuro desenvolvimento dentro de uma estrutura arrasada por mais de meio século de incúria administrativa.

Uma parceria público-privada para entender o Rio

Sem especificar qual o critério adotado, foi criada pela Agencia Rio uma lei de incentivo a hotéis que baixou os custos de construção em 20%, fora o financiamento do BNDES, a juros generosos. Como resultado, planeja-se construir nove hotéis, sendo que dois serão em Del Castilho. Del Castilho? Por que um programa dessa envergadura beneficiará um projeto de shopping center em Del Castilho em vez de se criar hotéis cinco estrelas, que é a atual deficiência do RJ, o que demonstraria uma solidez dos objetivos desta Agência de fazer o Rio voltar a ser a cidade maravilhosa? Por que não há uma âncora que desencadeie uma atividade econômica tão importante como essa? Por que a Associação Comercial do RJ, surpreendentemente, não questiona a condução deste setor de vital importância econômica? Tantas perguntas sem respostas, como vemos, e a sociedade não se manifesta. Empresários, formadores de opinião, articulistas dos jornalões, ninguém.

A UniverCidade pesquisou e comprovou que o carioca ainda não entende a real importância da atividade turística para a economia. As lideranças grevistas que quiserem obter êxito em suas justas reivindicações terão que acordar para o fato de que a única forma de revitalizar a economia para conseguir aumentos reais que deem dignidade e proporcionem qualidade de vida ao trabalhador só poderão ser alcançadas com a revitalização da economia via o desenvolvimento do turismo. A única atividade que movimenta todos os setores simultaneamente e que trará aumento da renda per capita para acabar com o abismo social que relegou ao Rio o epíteto de “Cidade Partida”.

Sem um plano diretor ancorado solidamente e que oriente um desenvolvimento visando à revitalização socioeconômica, cultural e ambiental do RJ qualquer movimento é uma promessa que dificilmente poderá ser cumprida. Por exemplo, a principal via de entrada da cidade, a Avenida Brasil, com seus 58 quilômetros, cortando 27 bairros, é uma imagem fiel do esvaziamento econômico ao qual estamos submetidos há décadas. Chega a doer. Claro que isto pode mudar e a onipresente Agência Rio Negócios, que é uma parceria público-privada com mantenedores como Bradesco Seguros, Oi e Ceg Rio e entidades como Fecomercio, Sebrae e Associação Comercial do RJ (ACRJ), está trabalhando no mapeamento de toda a região. Marcelo Haddad coordena uma equipe de 16 pessoas em uma parceria público-privada voltada para entender o Rio e atrair investidores. Elegeram cinco setores prioritários: energia; tecnologia de informação e comunicação; indústria criativa; hotelaria e turismo e indústria em geral. A inspiração para isto foi o Think London, que ajudou a criar sete mil empregos em novos negócios em Londres. Para se entender melhor, este grupo já recebeu 183 empresas interessadas em investir no Rio e eles acreditam que 14 estão vindo, totalizando R$ 1,8 bilhão em novos investimentos. Será? Vamos aguardar e ver quantas empresas virão que não sejam ligadas ao pré-sal.

Um plano diretor com definições vitais

Para começar, qualquer empresa necessita de periféricos para poder funcionar. O Rio não oferece esta comodidade, pois não há atividade industrial e qualquer compra teria que vir de fora, o que é um entrave gravíssimo a um ambiente de negócios. Qualquer analista irá pesquisar e descobrir sobre a realidade local e ficará temeroso, mesmo contando com incentivos fiscais pesados, ao descobrir que o município não tem um planejamento de longo prazo e que a infraestrutura não é renovada há mais de vinte anos, sendo que a área é um imenso bolsão de miséria extremamente violenta. Mesmo sendo uma indústria ligada ao setor petrolífero hesitará. Este é o lado do investidor. Se você se lembrar que nos últimos quatro anos simplesmente R$ 50 bilhões foram concedidos em isenções fiscais só no RJ, começará a entender qual é o interesse envolvido nesta história. Repare que a Rio Negócios não aparece na mídia e não há explicações sobre como ela atua. Os segmentos envolvidos têm representatividade real na sociedade ou estão ali para defender seus interesses? Isto lembra uma promessa “furada” do Pan, que em dez anos estaríamos recebendo 25 milhões de turistas, mas não tinha um plano diretor que acomodasse isto. Claro que esta Agência em questão acomoda os mesmos personagens que fizeram esta promessa.

Qualquer pessoa de bom senso percebe que num ambiente como o do Rio, que tem o maior potencial de turismo do mundo, os seguintes segmentos, tecnologia de informação e comunicação, indústria criativa, hotelaria e turismo e indústria em geral estão estreitamente ligados e que seu carro-chefe é o turismo. Contudo, um grupo que endossa uma CCI no canal do Mangue logicamente nunca enxergará isso. Já um outro conceito de Centro de Convenções Internacional (CCI) levará o Rio à vanguarda mundial em curto prazo, gerará inicial e comprovadamente dois milhões de novos empregos, aumentará a arrecadação em bilhões de dólares, reinstalará toda uma indústria periférica, em suma, modificará por completo a visão de qualquer investidor, porque terá que vir embalado por um plano diretor com definições vitais para um desenvolvimento autossustentável que, se for bem conduzido, se eternizará com qualidade. Por que, absurdamente, não se analisa uma hipótese como essa?

Falta de ética?

Chega a dar pena a expressão das pessoas que entendem o que está sendo perdido e o comentário é uníssono: eu não tinha a menor ideia de que o turismo pudesse fazer esta transformação no RJ. Por que esta Agencia Rio Negócios não analisa um projeto que tem o poder de unir toda a sociedade e propor um master plan com efeitos imediatos? Por que não há interesse em propor uma política pública de resultados como o momento exige e, ao invés disso, se pratica um ambiente de negócios onde a oferta de incentivos fiscais é o principal atrativo?

Não é à toa que após mais de meio século de incúrias como essas a principal caixa de ressonância do país, o Rio, tenha emudecido. Está cada vez mais evidente que não há a menor concatenação entre as ações promovidas pelos poderes públicos, alguns órgãos representativos e os anseios da sociedade. Todos deixam de acreditar e se entregam a uma resignação que impede o sonho de um futuro melhor. Você já reparou que sempre há verbas para fazer obras e, sintomaticamente, nunca para dignificar o profissional assalariado. Por que será?

Aliás, os maiores escândalos estão por trás de obras que foram dispensadas de licitação. Isso explica porque não há preocupação em fazer a manutenção das estruturas públicas, já que quando estoura um problema, é permitido por lei, por causa do caráter emergencial, que a obra seja feita sem licitação. Não é genial? Chegamos a um ponto que todos os serviços públicos apresentam sérios problemas e quanto piores eles são, maiores as chances de maracutaias acontecerem. Ou seja, bom “negócio” virou deixar estragar para poder “consertar emergencialmente”. O valor das obras sem licitação no município do Rio de Janeiro já chega a estratosféricos R$ 417 milhões, beneficiando as mais diversas empreiteiras. Que tal?

Na Grécia, mesmo com essa crise toda, os serviços públicos dão uma surra nos daqui. Hoje em dia a mentalidade do gestor é deixar a sua marca e o que não é fica para segundo plano. A maioria tem foro privilegiado e se sente intocável. Por isso, os modelos de gestão pública que estão dando certo passaram a copiar a iniciativa privada, porque esta pensa em longo prazo, no futuro. Veja a Vale, que só virou esta potência quando passou a ser conduzida pela iniciativa privada. Porque nela se tem que prestar contas: ou se anda na linha ou será demitido com um possível processo criminal. Será que o problema está na forma de administração, pública ou privada, ou na falta de ética, do exercício de uma democracia ativa e fiscalizadora, no orgulho do cidadão que se envolve porque sabe que pode contribuir e fica feliz por ser parte atuante?

A diferença é a atitude das pessoas

O Brasil que deu certo, o do agronegócio, da pecuária e commodities, curiosamente, além da competência dos brasileiros, se beneficiou do mesmo fator, a vocação natural, e está aí sustentando o superávit comercial. Por que vamos fazer uma Copa, as Olimpíadas e uma revitalização portuária, atividades que em todo o mundo são voltadas para incrementar o turismo, e que aqui apresenta o maior potencial possível, não há vontade política para fazer do Rio a vanguarda mundial e uma referencia de revitalização econômica? Por que estamos condenados a perder uma chance como essa quando outras economias que tinham problemas iguais ou piores do que os nossos conseguiram dar a volta por cima? Vamos permitir?

Por que o Rio não tem mais expoentes que funcionavam como reservas morais e eram inatacáveis? Gente como um Sobral Pinto, Alceu Amoroso Lima, que usava o pseudônimo de Tristão de Ataíde, ou mesmo um Ralph Nader, que criou o sistema de defesa do consumidor e enquadrou as multinacionais? Será possível que toda a inteligência carioca tenha sido cooptada? Por que os atuais baluartes, os formadores de opinião da nossa atual imprensa, não se manifestam?

Investigações demonstram que a diferença entre os países pobres e os ricos se dá em função da forma como sua sociedade se conduz. A diferença é a atitude das pessoas, moldada no decorrer dos anos pela educação e pela cultura. Ao analisar a conduta das pessoas nos países ricos e desenvolvidos, se constatou que a grande maioria segue os seguintes princípios de vida: a ética como princípio básico, a integridade moral, a responsabilidade, o respeito às leis e pelos direitos dos demais cidadãos, o amor pelo trabalho, o esforço para economizar e investir, o desejo de superar e a pontualidade.

Por um projeto de futuro

Senhores, a situação é séria. Este desrespeito às leis, a falta de ética, a confusão entre o público e o privado, o enriquecimento ilícito enquanto a sociedade amarga o empobrecimento explícito, a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros, tudo isto é decorrente da falta de exercício democrático, porque há uma apatia reinante, que só poderá ser quebrada por uma política pública regida pela sociedade, de preferência apresentando resultados em curto prazo para empolgar a massa e desta forma o processo fluir. Acorda, Rio, porque a chance é única e não pode ser desperdiçada.

O percentual de pessoas aéticas é mínimo e não pode nortear os rumos da sociedade. Isto acontece por causa da nossa apatia participativa, o que não combina com democracia. O momento atual brasileiro em meio a esta crise mundial é amparado por ações governamentais como o PAC, a Copa e as Olimpíadas, o que não é sustentável. Em vez de movimentos econômicos definidos como “voos de galinha”, onde a economia anda e para, anda e para, precisamos de um projeto de futuro, com uma visão crível que empolgue a todos e apresente metas de curto, médio e longo prazos que una toda a sociedade, porque há espaço para que todos cresçam e de forma sustentável. Ao invés de alguns ganharem por pouco tempo e a sociedade não se desenvolver, é melhor que todos ganhem unidos e a economia se torne sustentável, melhor ainda, em pleno século 21, se torne autossustentável.

Está evidente a necessidade de unirmos nossos esforços para apresentarmos à sociedade um pacto pelo crescimento socioeconômico, cultural e ambiental que beneficie a todos, visando ao incremento da renda per capita e que demonstre com transparência e ética um futuro que privilegiará a qualidade de vida apoiado em um master plan ancorado em nossa vocação natural com metas críveis de curto, médio e longo prazos. Por um projeto de futuro, onde todos se enxerguem inseridos, participando ativa, ética e verdadeiramente democrática.

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[José Paulo Grasso é engenheiro e coordenador do Acorda Rio]