O jornal, o rádio, a televisão e mais recentemente a internet substituíram o amigo, o vizinho, o compadre, enfim o círculo de pessoas que conversavam. Pouco a pouco vai-se perdendo o prazer da prosa, que é cultivado por poucos.
Nossa vida ficou tremendamente objetiva. Poucos são os que vão ao bar, ao restaurante, ao café, à banca da praça pelo prazer de conversar.
Os pontos de encontro estão ficando raros ou então mudaram de finalidade. Terá contribuído para isso a arte perigosa de perambular pelas ruas da cidade, fundada para nos proteger dos perigos da selva, mas agora muito mais perigosa do que qualquer floresta infestada de animais ferozes.
Nenhum animal é mais feroz do que o homem, como demonstram os que incendeiam ônibus lotados de passageiros ou executam vítimas escolhidas ao acaso, pelo prazer de matar.
A mídia deixa passar excelentes oportunidades de discutir sob outros mirantes a violência urbana. Não apenas os crimes se repetem, repetem-se também os clichês nos modos de noticiá-los, examiná-los, comentá-los.
Por exemplo: dia 22 de novembro passado, Ana Cristina Giannini Johannpeter, 58 anos, foi assassinada pelo jovem identificado como M.M.V., 17 anos, vulgarmente conhecido como ‘Bino’, depois de entregar-lhe o celular e a bolsa. Interessante o costumeiro advérbio ‘vulgarmente’, jamais empregado com neutralidade: de alguém de outra classe social, talvez se dissesse que era conhecido ‘carinhosamente’ pelo apelido… O menor, que atirou com um revólver calibre 38, disse que o tiro foi um acidente, porque estava muito nervoso, e não teve a intenção de matar. E a imprensa toma estas versões como verdades inquestionáveis. E se ele tivesse saído à rua para matar? Ficaram nervosos também os que incendiaram os ônibus?
Grillos y langostas
Ao leitor interessado em ler outras coisas, já que nossos jornais estão cada vez mais parecidos uns com os outros, dê uma olhada no sítio Indekx, de acesso livre. Ali se podem ser lidos jornais do mundo inteiro.
Eis pequena amostra dos últimos dias. A professora Marta Negroni, da Argentina, está na direção de um projeto de pesquisa que descobriu que as galinhas – justamente elas, que não têm dentes! – produzem uma substância na gema de ovo que combate a cárie. Saiu no La Nación, com grande destaque. Entrevistado, seu colega disse que apenas 30% dos argentinos escovam os dentes.
No zoológico de Manchester, na Inglaterra, uma dragoa – é este o feminino de dragão – teve cinco dragõesinhos. O réptil tem oito anos e é virgem. O fenômeno chama-se partenogênese, palavra que veio do grego e designa reprodução sem fecundação.
A comunidade científica sabia que alguns répteis se reproduzem de forma assexuada, mas esta foi a primeira vez que a teoria foi comprovada com o dragão de Komodo. A gestação durou oito meses. E Flora, este é o nome dela, teve quíntuplos. Os nenês estão sendo alimentados com grilos e gafanhotos. Grillos y langostas, diz o texto. Espanhol é aquela língua que os brasileiros dizem conhecer, mas que leva a grandes atrapalhos, pois langosta pode ser gafanhoto ou lagosta, e embarazada pode ser atrapalhada, tímida ou grávida, sendo o contexto a grande chave de interpretação.
Taxa básica
O jornal australiano Echo informa que há na Austrália uma biblioteca viva. ‘Nunca julgue um livro pela capa’, diz a matéria. Em vez de livros, o ‘leitor’ escolhe a pessoa e esta conta uma história para ele ou responde a questões que o usuário da biblioteca viva lhe faz. Um juiz, uma freira e um fazendeiro eram os ‘livros vivos’ da semana passada, disponíveis a serem ‘lidos’ das 11h às14h. A idéia nasceu na Dinamarca, onde uma NGO – uma ONG, como dizemos – oferece o serviço, que é voluntário e visa a atender principalmente a quem não pode ler, mas pode ouvir e conversar.
Qualquer um pode ir à biblioteca ‘ler’ os livros disponíveis. Começou com três ‘livros’ apenas, mas o sucesso vem sendo extraordinário. Não há filas na biblioteca, embora sejam muitos os interessados. A ‘leitura’ é marcada por telefone.
Em Portugal, o jornal Público deu destaque à subida de juros para o financiamento da casa própria, que passou a 4,66% ao ano. Comentário de uma leitora chamada Joana: ‘Não tarda muito a maioria dos portugueses está a pedir esmola e a viver debaixo da ponte’.
Enquanto isso no Brasil, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, com sua cara de vendedora da Avon, baixou os juros em apenas 0,25%, fixando a taxa básica em 13%. Mas qual o banco que empresta – e para quem – a 13% ao ano?
Outros temas, outros lugares
Em Taiwan, o jornal Beijing News informa que está mudando todos os livros de História. Por ordem do ministro da Educação, expressões como ‘nosso país’, ‘este país’ e ‘continente’ serão substituídos por ‘China’ apenas, para mostrar a independência do país. E onde se lia chishi (arruaça) agora será lido chiyi (revolução). Alguns professores são contrários a tais mudanças.
The Jerusalém Post, de Israel, informa em primeira página que os professores do ensino médio deflagraram greve parcial em todas as escolas públicas do país, que vão parar às quartas-feiras. Motivo: defasagem nos salários.
Faz tempo que, não apenas em Israel, mas em todo o mundo, os professores raramente se reúnem para tratar de assuntos educacionais, como bibliotecas e condições de pesquisas ou, então, como se fazia nas décadas de 1960 e 1970, discutir apoios a temas sociais e políticos. Não, desde os anos 1980, professor não discute mais ensino. A sobrevivência com salários cada vez mais reduzidos é o grande tema.
Em resumo, estes serviços da internet oferecem ao leitor, desiludido com a pobreza ou o alheamento de nossa imprensa diante dos grandes temas, a possibilidade de navegar por outros lugares, entreter-se com curiosidades como a dragoa virgem que teve quíntuplos, mas também verificar o que os jornais andam estampando nas primeiras páginas pelo mundo afora.
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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde dirige o Instituto da Palavra; www.deonisio.com.br