Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Os textos obrigatórios de Natal

Natal é tema obrigatório. Não ‘aproveitar’ esse presente do calendário é desprezar a inspiração. E quem escreve sobre o Natal revela-se a si mesmo, sua visão de cristianismo, sua maneira de comemorar, ou não, a data religiosa, a data comercial, a data cultural.

Ivan Angelo escreveu ‘Árvores do Natal’ na Veja São Paulo, em 26 de dezembro. Mas, para tematizar a árvore, rememora primeiro o presépio de sua infância. À Nelson Rodrigues, o cronista a certa altura diz que, na verdade, queria falar mesmo é de outras árvores. Das árvores comuns que ainda se encontram nas ruas de São Paulo. Um elogio lírico-ecológico às árvores que resistem aos sofrimentos que a vida urbana lhes impõe.

No Rio de Janeiro, João Ubaldo Ribeiro (O Globo, 23 de dezembro) deu ao Natal uma dimensão política. A questão dos impostos incomoda os dois personagens que dialogam na crônica, às vésperas da grande festa. Um deles sugere a criação de novo programa governamental: o empréstimo de renda para quem não tem dinheiro para pagar os impostos! A idéia é boa. Se os responsáveis pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica leram o texto é capaz de implementarem mesmo.

O presépio e a árvore

Com mais antecedência, no Estado de S.Paulo (21/12), Ignácio de Loyola Brandão relembra seu conflito interior, de criança, em ‘O Natal em que me converti’. A quem aderir? Ao Papai Noel protestante ou ao Menino Jesus católico? A ironia amarga, típica do escritor, esquece que o Papai Noel também é católico – Pai Natal, como dizem os portugueses, livres do francesismo Père Noël. (Aliás, está aí mais um estrangeirismo para a lei de Aldo Rebelo denunciar e punir!)

Natal é tema mais do que obrigatório, profissional, para os bispos. ‘Natal: Deus habita esta cidade’ é o título do artigo que o novo arcebispo de São Paulo escreveu na Folha, dia 25. Também o cardeal faz alusão a essa briga entre Papai Noel e o Cristo Menino. Também no lugar da árvore, em cujo pé se devem acumular presentes e mais presentes, Dom Odilo Scherer desenha o presépio como símbolo cristão mais eloqüente.

O cético Carlos Heitor Cony escreve ao lado do bispo, lembrando (coincidência?) ‘o presépio que o pai armava todos os anos’, e como, certo dia, em lugar do tradicional presépio, Cony montou uma árvore de Natal, para desgosto do pai.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br