Depois do apagão aéreo, aparentemente resolvido (até segunda ordem…), e da terrível epidemia de febre amarela, aparentemente debelada antes de acontecer, voltamos nossos olhos para uma outra promessa de colapso: o trânsito intransitável da cidade de São Paulo.
Os congestionamentos são calculados em generosos quilômetros. Na quinta-feira, dia 20, véspera de feriadão pascal, 187 quilômetros às 19h. Na mesma hora, no dia anterior, 180 quilômetros. No dia 17 de março, 92 quilômetros de congestionamento às 11h. No dia 13, 221 quilômetros às 19h. Às 9 da manhã do dia 11, 186 quilômetros de filas. Às 8h35 do dia 6, 168 quilômetros. Em 29 de fevereiro, 146 quilômetros às 9h30.
Impressionantes essas medidas. Ainda mais impressionante a onisciência da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cuja principal função, na figura de seus agentes de trânsito, tem sido a tarefa bem menos complexa de preencher talões de multa. É bem mais fácil medir o caos, olhando-o de longe, do que aquilatar a sensação de beco sem saída que aflige cada motorista.
Falta de planejamento
Nem todos são como um professor amigo meu, filósofo, que aproveita as longas esperas dentro do carro para ouvir Chopin. Outros ouvirão notícias do rádio sobre o caos em que já estão mergulhados. Muitos ligam pelo celular para avisar que tão cedo não chegarão e reafirmar que desse jeito a cidade vai parar de tanto não parar.
Outra possibilidade é ler o conto ‘A auto-estrada do sul’, do livro De todos os fogos o fogo, de Júlio Cortázar (texto em espanhol aqui). Trata-se da história de um grande congestionamento. Carros e mais carros submetidos à paralisia total. A realidade imita o conto. Ninguém conhece ao certo as causas do congestionamento. Alienação e impotência. Não identificamos os personagens por seus nomes, mas pelos carros: a moça do Dauphine, o homem do Caravelle, o casal do Peugeot, os rapazes do Simca. No trânsito, somos massa anônima.
A epígrafe que inicia o conto é do jornalista italiano, já falecido, Arrigo Benedetti, e se refere ao ingorgo automobilistico (o engarrafamento) como algo que impressiona, mas… não diz grande coisa. O problema com os quilômetros é mais grave. A falta de visão e de planejamento é patente. Preocupa saber, por exemplo, que a malha metroviária da capital paulista conta com apenas 61 quilômetros, três vezes menos do que a da cidade do México.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br