“O mundo árabe continua em um estado fluido, no qual mesmo imprevistos de menor porte podem ter desdobramentos imprevisíveis e incontroláveis.” (Antônio Luiz M. C. Costa, jornalista)
As coisas lá pras bandas árabes continuam danadas de confusas. Não poucos observadores dos acontecimentos registrados nas convulsionadas paragens se acham apoderados de dúvidas e temores com relação a eventuais desvios de rumo no percurso da assim chamada “primavera árabe”, um movimento popular acolhido com enormes esperança e simpatia.
O sintomático emudecimento das agências noticiosas sobre o que passou a rolar no Egito, no Iêmen, Tunísia, Jordânia, Bahrein e, até certo ponto, também Síria, depois das passeatas e comícios que sacudiram as ruas, na maior parte dos casos reprimidos com ferocidade pelas forças de segurança, deixa um bocado de gente com a pulga atrás da orelha.
As confabulações em torno da implantação de regras democráticas no jogo político avançaram? A livre expressão de ideias vem sendo garantida nesses territórios? As vozes de todos os grupos étnicos e de todas as correntes políticas e religiosas vêm se fazendo ouvir em aglomerações públicas, nos recintos fechados ou ao ar livre? Foram efetivamente banidas do pedaço as restrições, as censuras, as penalizações severas aos que assumam posições divergentes das versões dos fatos trazidas ao conhecimento público pelos detentores do poder? São perguntas que cruzam os ares à cata de respostas em meio a uma enxurrada de procederes contraditórios detectados em reações assumidas por protagonistas de dentro e de fora dos preocupantes eventos.
Onda de insânias e infortúnios
Das armações engendradas nas estratégias das grandes potências, interessadas em não perderem o poder de influência na região, não importa as facções que se apossem do timão político, já temos dado algumas informações aqui neste espaço. Seria oportuno falar, agora, então, dos grupos que estão preenchendo os vazios de comando criados com a retirada de cena dos déspotas destronados.
O caso, por exemplo, de Muamar Kadafi, também conhecido, por conta da truculência bárbara e extravagâncias administrativas, por “cachorro louco”. O chefe do governo provisório instalado na Líbia ainda parcialmente conturbada, Mustafá Abdul Jalil, ex-ministro do tirano deposto, numa das primeiras decisões já deixou evidenciada a linha retrógrada, de puro maniqueísmo fundamentalista, que seu governo cogita implantar nos domínios recém-conquistados. Articulado, percebe-se logo, com religiosos radicais, anunciou, para estupefação geral, que a sharia, ou seja, uma abusiva interpretação da lei islâmica, constituirá o novo fundamento jurídico do Estado líbio.
Pelo édito lançado, prevalecerão no país, para mulheres, as mesmas regras repulsivas vigorantes na assustadora rotina mundana da Arábia Saudita e Afeganistão, para só falar de dois países imersos em concepção feudálica medieval, dominados por fanáticos religiosos. Na coibição de crimes contra o patrimônio e os bons costumes, se apelará também para “castigos exemplares”, sob forma de apedrejamento e amputação. Que a misericórdia de Alá se compadeça da sofrida população líbia, protegendo-a dessa nova onda de insânias e infortúnios à vista!
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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]