Acordo e abro os jornais ainda a meio olho. De repente, o céu se queda escuro sobre meu único olho aberto e me dá uma vontade incontrolável de voltar ao travesseiro em busca de uma época mais minha.
Quero ser Hélio Fernandes para me libertar pelas grades e não me prender a cifrões. Quero ser Ben Bradlee para proteger rascunhos num bloquinho e ajudar a derrubar o presidente que eu nunca quis ser. Quero ser Robert Fisk para guerrear pela paz tendo como arma o microfone. Quero ser Fausto Wolff, Barbosa Lima, tanta gente, mas, antes, preciso me construir…
Abro o outro olho, pego novamente o jornal e, como que de longe, pareço ouvir citarem Millôr: ‘Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.’ Adoram isso, como é cômodo… Logo depois cospem ao mundo previsões catastróficas achando que isso é oferecer algo de útil para a construção da sociedade. Por que não fazer antes uma oposição a si mesmo? Qual a bandeira de quem faz sempre oposição a tudo? Podem dizer: jornalista não tem que ter bandeira… É lindo isso, mas ele tem, ainda que não deva hasteá-la no terraço do seu prédio.
O trágico vende
Com os olhos ainda relutantes, o que vejo? O cifrão é o guru que liberta. A expressão ‘atrás das grades’ virou chacota. O prender e o soltar se tornam, de forma cada vez mais visível, lados do ioiô que serve ao sórdido jogo político.
Um jogo regado a muito champanhe – fajuto – daqueles para fazer vista… E uma boa dose de microfones e bloquinhos comprados a 1,99 (porque senão quebra a empresa) e vendidos a preço de ouro.
O mesmo jogo para o qual não interessa um presidente como o nosso. Bem que muitos deles queriam ser ele – o admiram – mas, afinal, precisam garantir o sustento. Emprego fixo está difícil, ainda mais para jornalista.
Quem sabe na cobertura de guerra? Mas antes é preciso ver qual lado dá mais… Ou seria qual lado vai explodir primeiro? Que tipo de torcida midiática é essa que em busca de inflar os próprios egos não vê a hora de um verdadeiro apocalipse para dizer: ‘Nós avisamos!’?
É triste, mas a lei é da oferta e procura. Se o trágico é tão oferecido é porque vende. E muito. Em toda a história da humanidade, uma casa em ruínas sempre parou mais olhares do que um campo de girassóis.
A mania de seguir os instintos
O problema todo está em como se oferece o trágico. Para uma cobertura jornalística bem-intencionada, pode ter havido, digamos, uma explosão no botijão de gás da casa e os proprietários, gente humilde, já estão se reestruturando na casa de parentes. Para outro jornalista, pode ter havido um curto circuito na rede elétrica e os proprietários, gente humilde, estão desabrigados sem a devida assistência do governo.
Não é difícil um suicídio se tornar assassinato nas mãos de um editor. Como é fácil jogar números soltos pelas colunas de economia e dizer que aquilo aponta o fim do mundo. Que fim? De que mundo?
São tantas as perguntas que me vêm à mente, mais do que perguntas, inquietações. Por que Ben Bradlee seria demitido da Folha? Podem-se imaginar várias razões, mas a maior delas seria, sem dúvida, a feia mania de seguir seus instintos… Para que jornalista vai ter vontades se o mercado já as tem?
Notícias podem ser boas
E Robert Fisk, por que não conseguiria trabalhar para a Globo em coberturas de guerra? Talvez porque um belo dia ele fosse preferir não voltar para a redação…
E Hélio Fernandes, por que não seria preso caso escrevesse algum artigo subversivo? Ah, estamos num país democrático… Diz-se de tudo e ouve-se de tudo.
Só falta se lembrarem de fazer oposição a um velho ditado. Notícias também podem ser boas.
P.S.: Inquietação final: por que este texto dificilmente seria publicado na grande imprensa? Porque, além de ser um tanto desconfortável, não dá lucro fazer oposição a si mesmo…
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Estudante de Jornalismo da FACHA, Rio de Janeiro, RJ