O documentário Alô, Alô Terezinha conta a história do fenômeno Chacrinha, o rei dos auditórios de tevê nas décadas de 1970 e 80. Mais do que isso, o filme busca uma narrativa equilibrada nos elementos que faziam parte do espetáculo que era o Cassino do Chacrinha. Por trás deste documentário e de uma linguagem que busca reproduzir a felicidade e a alegria do apresentador, está Nelson Hoineff, que é jornalista, produtor e diretor de televisão.
Hoineff ganhou fama por ter criado o Documento Especial, programa jornalístico exibido pela Rede Manchete e, posteriormente, pelo SBT e na Rede Bandeirantes. O programa era apresentado pelo ator Roberto Maya e consistia em uma reportagem com cerca de 30 minutos sobre um assunto da atualidade, e se tornou um grande clássico da televisão na época em que foi lançado, em 1989, por abordar diversos temas polêmicos.
Experiente e com mais de 700 documentários no currículo, seja na forma de séries de televisão ou como produtos isolados, Nelson Hoineff deu entrevista ao Correio e falou sobre o seu novo trabalho, Alô, Alô Terezinha. Ele conta a admiração que tem por Chacrinha, sendo motivado a montar um documentário que pudesse não apenas contar parte da sua história, mas que mostrasse a figura que o próprio Hoineff e os brasileiros conheceram e aprenderam a amar, destrinchando a carreira dos calouros, das chacretes e do próprio Chacrinha.
Alô, Alô Terezinha estreia em 30/10. Eis a entrevista concedida pelo diretor, que esteve em Salvador para a pré-estreia do filme.
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Grande parte das cenas do documentário Alô, Alô Terezinha foi filmada em 2007. Como foi o seu processo de filmagem, coleta de dados e a montagem do filme?
Nelson Hoineff – Algumas coisas fizemos em 2007, outras filmamos em 2008. A gente partiu de uma premissa que era a seguinte: não iríamos fazer um filme biográfico. A partir disso eu fiquei me perguntando como é que eu iria chegar ao Chacrinha, naquele Chacrinha que eu conhecia e de que eu gostava. A opção foi, obviamente, colocar o Chacrinha no centro de um universo onde transitavam, em volta dele, alguns astros que são as chacretes, os jurados e os calouros.
Mas, a partir disso, como foi que você procurou construir o documentário de uma forma que não fosse biográfica?
N.H. – Então, eu comecei a explorar cada um desses astros. Você começa a buscar quem são esses calouros, quem são essas chacretes, quais eram os artistas que se apresentavam no programa naquela época. Com isso, traçamos uma relação daquilo que eles possuem hoje que poderia se corresponder com a figura do Chacrinha. O que eu quero dizer é que o documentário mostra qual a importância destes elementos no universo que o filme foi concebido. No total, nós filmamos 300 horas de material, sendo 150 horas de material de arquivo, para ser transformado, em seguida, num filme de 1h30 de duração.
Como foi o processo de selecionar o que entrava?
N.H. – Nesse caso, é escolher apenas o que é muito bom. Eu acredito que no filme não tem uma coisa que não seja muito boa. Algumas coisas foram acontecendo meio por acaso. Um exemplo disso foi o parapente do Biafra e também teve o momento em que estávamos gravando a apresentação do Xaveco e apareceu uma mulher ‘do nada’. Depois ela começa a cantar umas músicas do Chacrinha, nos levantamos para filmar e, em seguida, aparece um outro cara cantando Cazuza. Tudo isso é casual e acabou entrando dentro da proposta que eu tinha desde o princípio.
O que mais você gostava do Chacrinha e que te motivou a fazer a um documentário sobre o mundo no qual ele habitava?
N.H. – A veia transgressora, sem dúvida alguma. A transgressão se manifestava, certas vezes de uma maneira social quando ele ousava debochar de negros, dos homossexuais, dos nordestinos, das mulheres e dele mesmo. São coisas que você não consegue nem ao menos imaginar alguém fazendo hoje. Além disso, ele enfiava o dedo no nariz dos calouros.
Sem contar que o palco era uma completa loucura, não é verdade?
N.H. – Exatamente, ele tinha uma transgressão cênica. No próprio filme, o Boni até fala sobre isso no documentário. O Chacrinha buscava os espaços onde não existiam. Normalmente nestes programas, você sempre faz uma marcação, você sempre segue um roteiro. O Chacrinha não usava nada disso. Essa coisa dele transgredir, de fugir dessa marcação que existe na televisão, no cinema e no teatro era o que mais me encantava nele.
Alô, Alô Terezinha tem sido bem recebido nos festivais e ganhou prêmios na edição do Cine Ceará deste ano. Porém, uma das críticas que mais se tem feito ao filme é a maneira com a qual você expõe as chacretes e os calouros. O que você pensa sobre estas críticas?
N.H. – As pessoas que pensam assim são as mesmas que vêem nas novelas das oito um modelo de dramaturgia, um modelo de postura, seja de texto ética ou moral. Eu, de verdade, respeito estas pessoas. Mas devo dizer que eu não vejo nada disso que elas possivelmente enxergam na novela das oito. Os padrões estéticos e narrativos que me interessam são outros. Eu mais do que respeito elas. Eu tenho uma certa compaixão por elas e sinto pena delas.
Por quê?
N.H. – Porque elas são tão incapazes de ver o mundo de uma forma mais ampla, sem ver como é a vida. Essas mesmas pessoas que disseram isso, não foram capazes de perceber alguma coisa além da dramaturgia da novela das oito. Quero dizer que elas são pessoas que chamam negros de afrodescendentes e acham isso extraordinário. Esse tipo de crítica me envaidece muito porque, no dia que eu fizer um filme ou um programa que corresponda a este tipo de linguagem, terei a certeza de que estará acontecendo alguma coisa de errado comigo.
Mas esse pensamento da crítica vai de encontro exatamente ao modelo narrativo que você imprime no seu documentário, não é isso?
N.H. – Correto. Eu poderia começar o filme assim: ‘Aqui foi onde o Chacrinha estudou’, mostrava a escola. ‘A dona Odete foi a primeira professora que o Chacrinha teve lá no interior de Pernambuco’, pegava uma foto reprodução dela e colocava. Eu poderia ter feito assim, mas isso eu não faço.
Qual foi o seu maior desafio para realizar o documentário?
N.H. – Não houve um grande desafio, pra falar a verdade. Eu decidi fazer o filme, procurei a família e eles foram muito atenciosos e estiveram presentes e disponíveis o tempo inteiro. A família do Chacrinha foi determinante para a realização do filme. Eles me telefonaram todos os dias dizendo que haviam descoberto alguma imagem que pudesse fazer parte do documentário, descobrindo material aqui e ali. O Roberto Carlos, por exemplo, é muito difícil de dar depoimento. Eu nunca vi o Roberto Carlos fazendo isso, mas ele nos recebeu em sua casa, conversou com a gente. E o mais interessante: não exigiram absolutamente nada em troca. O filme mostra ali que o Chacrinha traía a dona Florinda, o filme coloca as polêmicas e a família sempre teve uma dedicação extraordinária para que a obra pudesse ter sido realizada.
Qual a imagem do Chacrinha que você deseja passar com este documentário?
N.H. – Eu quero passar a essência do Chacrinha que eu gosto. Então, neste universo não estão aqueles elementos biográficos que me fizeram fazer um documentário com uma narrativa diferente. O documentário transmite a mesma alegria que o Chacrinha demonstrava no palco, essa coisa do politicamente incorreto, esse conjunto de coisas insólitas. Eu quero que as pessoas, vendo o filme, se divirtam tanto quanto eu me divertia assistindo ao Programa do Chacrinha. Eu quero que as pessoas também possam me ver, pois este é um filme muito parecido com as outras coisas que eu fiz. Alô, Alô Terezinha é bastante parecido com o documentário que acabei de fazer do Paulo Francis e com o Documento Especial. Enfim, eu quero que as pessoas curtam o Chacrinha e que o público saia feliz de ter visto o Alô, Alô Terezinha.
Como foi a receptividade das pessoas nos festivais em que o filme foi exibido até o momento?
N.H. – Tem sido muito boa porque o público é muito menos burro do que as pessoas costumam imaginar. O público é inteligente. Essa coisa de nivelar por baixo é uma completa mentira. Dito isso, eu quero que o público saboreie a inteligência do Chacrinha, a sua anarquia e curtam o filme e o Chacrinha tanto quanto eu.