Como podemos compreender que certas pessoas, em entrevistas, artigos, crônicas, reportagens, digam o que dizem, havendo indícios claros de que estão numa furada, numa roubada?
Cada um de nós se considera objetivo e expert em crítica e autocrítica. Eu também. Mas o fato é que, ao defendermos nossas idéias, estamos expressando o que as idéias nos mandam defender. Idéias têm vida própria, atuam como ‘seres’ organizadores de nossa maneira de ver e viver. Por isso é tão importante escolher as idéias que nos definirão perante nós mesmos e os outros.
Pensemos, por exemplo, em pessoas que integram uma seita, de tipo religioso, político ou intelectual.
Assim como um bêbado diz que ‘tá legal’, uma seita jamais poderá admitir que é uma seita, e as pessoas que trabalham na seita jamais dirão: ‘Eu trabalho numa seita’. Uma seita não se reconhece como tal. Fazê-lo, seria atuar contra a sua própria atuação, embriagada que está pelo poder de manipular sectários, criar a verdade, justificar sempre todos os seus atos.
Ora, se nenhum bêbado admite que está bêbado, quem ‘enxugou’ todas essas garrafas? Se nenhuma seita se aceita como seita, retiremos a palavra do dicionário.
Como escravas
Seita (do latim secta – partido, causa, princípio, fileira) tem a ver com o verbo sequi – seguir, ir atrás de. Há também uma relação com o verbo latino secare – cortar, recortar em pedaços. A seita é sempre um recorte. A seita recorta uma doutrina e, com esse ‘pedaço’, consegue arrebanhar seguidores que possuem um determinado perfil e se adaptam a uma certa homogeneidade. A seita enfatiza um aspecto, radicaliza, e passa a idéia de um empreendimento sério, coerente, consciente de sua especial missão na terra.
Mesmo um movimento caridoso autorizado sofre a tentação de se tornar uma seita. Não tenhamos ‘preconseitas’. Muitos movimentos podem assumir uma direção sectária. Designados para fazer o bem, acabam infernizando a vida dos próprios ‘beneficiários’, como se retrata no filme Em Nome de Deus. Os Lares Madalena, na Irlanda, uma espécie de reformatório para delinqüentes, ou para meninas que tivessem cometido um ‘deslize sexual’, eram comandados por freiras que tratavam as moças como escravas. A história é verídica. O último Lar Madalena foi fechado em 1996.
Todos defendemos paradigmas, e graças a eles respiramos. O problema é quando os paradigmas se tornam paradogmas sufocantes. E haja balão de oxigênio!
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Doutor em Educação pela USP e escritor