É célebre o paradoxo do mentiroso: Epimênides, sacerdote de Apolo, cretense que viveu no século VI a.C., disse de seus compatriotas: ‘Os cretenses mentem o tempo todo’. Ora, se Epimênides é mais um cretense que vive dizendo mentiras… nem todos os cretenses serão mentirosos. Ou, talvez, Epimênides seja o único cretense capaz de dizer verdades, e a verdade, então, é que todos os cretenses são sempre mentirosos, exceto Epimênides.
A verdade mesmo é que ninguém consegue ser mentiroso 24 horas por dia. Mentir um dia cansa, e possivelmente o próprio Epimênides, mentiroso renitente, fez uma pausa e, sendo profeta, disse essa verdade, citada por Paulo em sua epístola a Tito, que ficara em Creta para difundir o cristianismo: ‘Dixit quidam ex illis, proprius ipsorum propheta: ‘Cretenses semper mendaces’.’
Mas se mentir o tempo todo é impossível, dizer sempre a verdade não é nada fácil. A verdade, afirmou Platão, ‘é que a verdade é um alvo em que poucos acertam’.
‘O que é a verdade?’ – perguntou o procurador romano Pôncio Pilatos a um judeu inocente, prestes a morrer de asfixia numa cruz: Quid est veritas? – Pergunta que não merecia resposta…
Mas houve uma resposta, silenciosa como tantas verdades verdadeiras. Por trás das mesmas quatorze letras da frase acima, o texto bíblico em latim deixou implícita, num anagrama, a frase demolidora: Est vir qui adest, ou seja: é o homem que está na tua presença, ele é a verdade.
A verdade é o ser humano, é a pessoa humana em sua radical presença. Nisto se assenta uma possível ética da comunicação. Somos pessoas, e nossa verdade como pessoas é critério para avaliar o que falamos/escrevemos, o que lemos/ouvimos.
Perdemos personalidade quando mentimos, ou quando acreditamos na mentira sabendo que de mentira se trata.
Perdemos liberdade quando mentimos, ou quando dizemos que tudo é verdade, mentira deslavada.
Perdemos tempo quando mentimos, ou quando fingimos não ter entendido a verdade, exclamando em tom de falsa surpresa: ‘Parece mentira!’.
Perdemos amigos quando mentimos, ou (para alguns algo muito pior) perdemos clientes.
Perdemos leitores (e até eleitores) quando mentimos, ou quando aceitamos que mintam em nosso nome, ou, ainda, quando ficamos indiferentes — tanto faz, tanto fez, me deixem em paz.
Toda mentira supõe saber ou ter uma idéia da verdade. A verdade, sombra luminosa que acompanha a mentira, faz dela a notícia que amanhã esquecerei.
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Doutor em Educação pela USP e escritor