Assistindo no domingo (3/7) ao programa do pastor Silas Malafaia na Rede Bandeirantes, fiquei pensando sobre uma opinião sua que me fez repensar algumas opiniões minhas. A ideia era simples: médico opina, advogado opina, engenheiro opina, professor opina, jornalista opina (aliás, pagamos para esses últimos opinarem), ONGs opinam, instituições opinam… Mas quando um pastor, um padre ou uma igreja expressa seu pensamento ou sua crença, falam em preconceito, em laicidade do Estado, em radicalismo. Incrível! Na escola, aprendi que o nome disso é intolerância e que todos têm o direito a liberdade de expressão. Na mídia, estou reaprendendo que essa intolerância é normal, que pastor e padre têm que calar a boca porque Igreja e Estado são coisas separadas.
Claro, contra fatos não há argumentos: a separação entre Igreja e Estado deve ser fortemente apoiada, amparada e enfatizada pela Lei, pelos meios de comunicação de massa e pela sociedade. Não é preciso ser nenhum gênio em história para saber os resultados nefastos que esse tipo de união trouxe no passado. Ignorar isso é um erro de miopia história que qualquer nação séria não pode se dar ao luxo de “deixar passar batido”.
Aliás, não só a separação entre Igreja e Estado, mas entre qualquer ideologia e Estado precisa ser realçada. Mao Tse-tung, Stalin, Pol Pot, Tomás Garrido Canabal e Enver Hoxha perseguiram, mataram, exterminaram (e outros adjetivos do tipo) milhares de cristãos em pleno século 21. “Ah”, diriam os seguidores do pastor Richard Dawkins, “eles eram ateus, mas mataram em nome do socialismo. O ateísmo não tem nada a ver com isso.” Certo, certo, mas a história não confirma esse tipo de credo: Enver Hoxha, por exemplo, foi líder do primeiro Estado oficialmente ateu do mundo, a Albânia. Seria interessante, de vez em quando, os jornalistas da Veja, da Superinteressante e alguns colunistas da Folha darem uma lida na Constituição daquele país a fim de verificar o que Hoxha pretendia/fazia/idealizava com os cristãos em nome do ateísmo (http://migre.me/54N6P).
Pastor pode opinar, sim
“Certo”, dirá alguém, “o que isso prova? Que os ateus são a miséria do mundo?” Não. De forma nenhuma. Longe de mim tal pensamento. Seria desonesto de minha parte afirmar tal tipo de ideia distorcida. Mas é necessário que fique bem claro que a intolerância, o extremismo e outras imbecilidades do tipo independem de cor, raça, sexo e religião. E mais necessário ainda é lembrar-se disso antes de seguir o raciocínio do reverendo Christopher Hitchens, que culpa a religião islâmica por uma parcela intolerante de fundamentalistas do regime Talibã.
Mas voltando ao assunto do artigo, um Estado saudável necessita ser neutro, isento, isonômico. Um Estado tolerante precisa ser constitucionalmente proibido de professar, ajudar, prejudicar ou embaraçar o exercício da fé de qualquer grupo religioso. Um Estado democrático tem o dever de resguardar a liberdade de culto de qualquer seita religiosa e de seus credos, mesmo que esse ponto não tenha a simpatia de algumas minorias e de uma boa parcela dos meios de comunicação.
O Estado laico é o meio para uma sociedade livre. Essa laicidade estatal não é sinônimo de “proteger a sociedade das religiões” (como prega o pastor Sam Harris). O Estado é laico, a sociedade não. Ela (sociedade) será o que seus cidadãos quiserem ser ou não, o que as pessoas quiserem seguir ou não (isso é liberdade ou não?). O Estado laico é instrumento para criar um espaço de liberdade e de pluralismo, e não para impor valores considerados “laicos”. A laicidade é um meio, não um fim.
Por isso, Malafaia está correto no seu pensamento. Pastor pode opinar, sim. Padre também. Ou eles não têm a liberdade de expressarem o que pensam na televisão? Claro que têm. Se alguém acha que não, então deixou de ser democracia, deixaram de existir direitos iguais, deixou o artigo 5º da Constituição falando sozinho (ou sendo algo que vale para todas as camadas sociais, menos para os religiosos).
O silêncio da imprensa é constrangedor
Claro: vão me acusar de seguir a linha do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) de afirmar que quando digo que Malafaia pode opinar estou pregando que “não existe isso de laicidade”, entre outras coisas que pessoas sem argumentos e baseadas apenas em frases de efeito gostam de soltar nas colunas de opinião dos meios de comunicação.
Até onde consigo acompanhar, o pastor Malafaia, o jornalista Reinaldo Azevedo e o cardeal Odilo Pedro Scherer não concordaram com o deboche e o desrespeito feito na última Parada Gay quando foram distribuídos 170 cartazes em postes por todo trajeto com 12 modelos masculinos representando ícones como São Sebastião e São João Batista e aparecendo seminus ao lado de mensagens como “Nem santo te protege” e “Use camisinha”.
Aqui, também, não precisa ser nenhum gênio a fim de perceber que a ofensa foi clara, uma vez que a Igreja católica manifesta sua convicção sobre a questão e a defende publicamente. E isso é um direito em um Estado que prega a liberdade de expressão, certo? Ou essa liberdade é para expressar apenas um tipo de expressão? (Às vezes fico confuso.) “Mas”, dirá alguém por fim, “se todos têm direito a se expressarem, então as pessoas naquela manifestação apenas expressaram uma espécie de `opinião´ sobre o que pensam sobre os santos.” Claro que elas têm direito, mas a coisa ali foi feita com deboche, e não alegremente, como falou o Gilberto Dimenstein em sua coluna na Folha Online. E tudo bem dele achar isso, mas não está tudo bem quando se desrespeita a fé alheia e se trata isso como algo normal. O silêncio da imprensa nessas horas é constrangedor. E, claro, sem contar a incoerência: afinal, uma parada que é feita democraticamente a fim de pedir o merecido respeito da sociedade, deveria pelo menos respeitar. Quem quer respeito, respeita.
Pastor e padre são sub-cidadãos?
Não custa nada lembrar que o chute na santa dada pelo bispo Sérgio Von Helde no dia 12 de outubro de 1995 foi fortemente divulgado pelos meios de comunicação na época (Rede Globo, principalmente) e foi corretamente repudiada pela Igreja católica, pelo cantor Gilberto Gil e pela sociedade em geral.
A laicidade e a liberdade também têm suas armadilhas. Que Von Helde pode não acreditar em Nossa Senhora Aparecida, ok! É um direito de crença dele. Mas que por isso ele pode chutar a imagem, não. A liberdade dele termina onde começa a minha. Que os líderes do movimento da parada gay podem discordar das doutrinas e opiniões da Igreja católica, ok. É um direito deles. Mas que graças a esse ceticismo eles podem desrespeitar o credo católico, não. A liberdade deles termina onde começa a dos católicos.
Esses dois acontecimentos são estranhos porque as repercussões dadas aos dois episódios foram bem desproporcionais. O primeiro fugiu do Brasil ameaçado de morte e ganhou, na época, uma matéria de 10 minutos no Jornal Nacional. O segundo foi citado brevemente na televisão. Por que dois pesos e duas medidas?
Mas a nova democracia instituída pela imprensa anda pregando que os católicos não podem achar isso ruim. “E daí, fizeram isso com os santos. Aids não tem religião e a Igreja católica não pode ser contra o uso de preservativos”, como se a questão estivesse situada apenas no campo das vontades e dos caprichos do papa. E como se fé é fosse isso mesmo (uma questão de gosto), tendo o aval da mídia de ser desrespeitada (claro: só quem não tem esse direito de “desrespeitar” é outro religioso).
Em tempo, não sou católico e defendo o uso de preservativos e o casamento gay, entre outras coisas. Mas também defendo o direito da Igreja católica se posicionar, opinar e não ter seus artigos de fé sendo desrespeitados. “E pastor e padre podem opinar”? Sim. Isso é ou não uma democracia? Ou agora pastor e padre são sub-cidadãos que não têm direito de opinar na televisão nem de expressar seus pontos de vista porque são religiosos?
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[Bruno Ribeiro Nascimento é estudante de Comunicação Social – Rádio e TV, João Pessoa, PB]