Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

‘O leitor Luis Otávio escreveu para a Ouvidoria questionando a imparcialidade e a isenção da cobertura que os veículos da Radiobrás fizeram sobre o plebiscito popular realizado entre os dias 1 e 7 de setembro por movimentos e organizações da sociedade civil. O motivo foi a revisão da privatização da Compania Vale do Rio Doce (CVRD).

A Agência Brasil vem cobrindo a campanha ‘A Vale é Nossa’ desde 2006, por ocasião do ‘Grito dos Excluídos’, realizado paralelamente às comemorações oficiais do 7 de Setembro. Na ocasião destacou as manifestações organizadas por entidades representativas da sociedade civil como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outras.

Na cobertura deste ano o ponto alto foi a consulta popular que levou o nome de ‘Plebiscito da Vale’. Foram publicadas 28 matérias desde 7 de setembro de 2006, quando foi lançada a idéia da campanha, até o dia 8 de setembro.

As matérias não deixam clara a diferença entre o plebiscito oficial, previsto no Capítulo IV, artigo 14, da Constituição Federal, e o realizado por iniciativa da sociedade civil. No entanto, o fato de não ser um evento oficial, convocado pelos poderes estabelecidos do Estado brasileiro, não torna a cobertura sobre o assunto menos importante, uma vez que se trata de um movimento de massa organizado por entidades representativas da sociedade civil. Segundo seus organizadores, o plebiscito tem, entre outras funções, a de conscientizar a população e pressionar o governo.

A Ouvidoria entende que a Agência Brasil ao trazer o assunto para debate em suas páginas eletrônicas está cumprindo com sua missão, que é: ‘Noticiar fatos, eventos e processos ocorridos no espaço público político (governo, Estado e cidadania), com foco nos interesses do cidadão, consolidando-se como um jornal online público de alta credibilidade’. E com seus objetivos, entre eles: ‘Acompanhar os processos e os grandes debates da cidadania nacional, promovendo-os e estimulando-os em nossa cobertura’. Leia aqui a íntegra do Plano Editorial da Agência Brasil.

Justificada a validade de cobrir o assunto e o porquê da presença dessa pauta, a Ouvidoria analisou a maneira como a Agência fez a cobertura. Na recuperação do processo histórico em que se procedeu a referida estatização da companhia faltou relembrar os fatos e o contexto em que se deu a operação de privatização e que estão sendo questionados judicialmente em 107 ações, conforme é citado na matéria Dez anos depois, 107 ações judiciais questionam privatização da Vale do Rio Doce, publicada em 2 de setembro de 2007.

A responsabilidade do Estado no episódio é lembrada pelo economista e professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) Vander Mendes, ouvido pela reportagem na matéria Economista defende investigação sobre fraudes na privatização da Vale, sem reestatização, publicada em 18 de agosto.

Em resposta à Ouvidoria, os editores da Agência Brasil informaram que fizeram várias tentativas para ouvir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Carlos Mendonça de Barros. Ambos não responderam às tentativas. A Agência errou ao não informar isso nas matérias.

Para os leitores entenderem os objetivos do plebiscito foram ouvidas 31 fontes da sociedade civil, entre elas juristas, economistas e advogados que apontaram aspectos positivos e negativos da privatização e se posicionaram a favor ou contra o plebiscito popular. Como exemplo dos aspectos negativos, está o preço que a CVRD paga por um de seus principais insumos – a energia elétrica. Na matéria Subsídio indireto em energia garante competitividade da Vale, diz campanha, publicada em 5 de setembro, não fica claro como funciona esse subsídio, apesar de apontar que se trata de um custo de produção privado, pago a menor pela companhia e bancado por toda a sociedade brasileira.

Outra questão que aparece em forma de denúncia pelos organizadores do plebiscito e que não foi devidamente esclarecida na matéria Venda a preço menor que o patrimônio justifica anular privatização, para advogado, publicada em 2 de setembro, é a exposta pelo ex-funcionário da CVRD, o advogado Eloá Cruz. Segundo ele, a lei que criou a Vale do Rio Doce determina que a companhia distribua 15% dos dividendos aos acionistas e empregue 10% para formar um Fundo de Desenvolvimento Regional nos 13 estados em que atua. Para o advogado, a companhia não estaria repassando o dinheiro a esse fundo, e o Tribunal de Contas da União (TCU) teria calculado que a empresa deve a ele R$ 26,7 bilhões. Essa informação merecia uma apuração mais aprofundada por parte da Agência.

Segundo o leitor, em nome do direito à informação, a Agência Brasil deveria escrever sobre os prejuízos que a campanha ‘A Vale é Nossa’ pode acarretar ao país, pois na opinião dele a comunidade internacional vai pensar que o Brasil não é um país sério e isso vai comprometer os investimentos de estrangeiros.

Ao que parece, o leitor não sabe que os investidores estrangeiros têm conhecimento das ações que a CVRD responde na Justiça, pois ela é obrigada divulgar essa informação no relatório anual que apresenta à Bolsa de Valores de Nova York, onde suas ações são negociadas. Ao trazer o assunto às suas páginas, a Agência Brasil está dando a oportunidade, talvez tardia, de que o público brasileiro também conheça o assunto.

A cobertura da Agência, dá a posição do Partido dos Trabalhadores (PT), apoiando a realização do plebiscito, e do Partido da Causa Operária (PCO), contrário à consulta, mas não informa qual é a posição dos demais partidos políticos. Será porque eles não têm uma posição sobre o assunto ou porque não foram procurados pela reportagem?

Quanto à posição do governo, nas matérias da Agência ela se restringe ao pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois os atuais administradores do BNDES e do Ministério das Minas e Energia não quiseram se pronunciar. Tampouco a direção da CVRD quis falar sobre a privatização embora ela também tenha sido procurada pela reportagem.

Assim, apesar do silêncio voluntário de fontes importantes que poderiam esclarecer os fatos para o cidadão, o assunto ganhou espaço de destaque nas páginas da Agência Brasil, que preservou o direito à informação tratando com seriedade a questão. Contrariando o leitor Luis Otávio, que afirma: ‘quem diria, houve um tempo que a Radiobrás era séria’.

Até a próxima semana.’