Na semana passada, Pelé fez declarações sobre a crise financeira do futebol, criticou parcerias de clubes com empresas e denunciou a prática de corrupção por parte dos cartolas do esporte. Foi alvejado pelos dirigentes dos clubes e recebeu até ameaça de processo judicial do polêmico Eurico Miranda, já que Pelé citou o explicitamente o caso do Vasco da Gama.
O Rei do futebol estava irritado com as constantes críticas feitas à lei que leva seu nome, promulgada quando o ex-jogador era ministro do Esporte do governo Fernando Collor de Mello. De acordo com o noticiário da Folha de S. Paulo (15/9), Pelé fez um mea-culpa durante uma entrevista em São Paulo e admitiu que a lei, de 1998, é ‘capenga’. Mas acusou a desonestidade dos cartolas.
Um mês atrás, dirigentes do Flamengo e do Corinthians – dois dos maiores clubes do país – afirmaram que a Lei Pelé estaria destruindo o futebol brasileiro, pois contribuiria para a revoada de craques nacionais para times no exterior.
Cadê a grana?
Para Pelé, não há cabimento culpar a lei pela crise financeira dos times – os quais, segundo ele, já estavam falidos antes de a legislação entrar em vigor. O ex-jogador questionou o destino do dinheiro dos negócios feitos entre os clubes e grandes empresas, e culpou abertamente os dirigentes. ‘Os caras roubam os clubes, somem com o dinheiro e vêm pôr a culpa na lei’, afirmou à Folha. Inspirado, o Rei soltou farpas até para os jogadores, a quem chamou de ‘burros’ e desunidos por terem se livrado dos clubes para ficarem nas mãos dos empresários.
No frigir dos ovos, a imprensa publicou notas dando conta de que Pelé lucrou no passado com os ‘negócios’ que agora critica. Segundo matéria de Fernando Mello (Folha, 16/9), Pelé participou, de alguma maneira, das transações feitas pelos clubes citados por ele, entre os quais Vasco e Flamengo. Foi sua agência de marketing que levou a empresa suíça ISL ao rubro-negro carioca. E foi com a TV PSN – braço de mídia da empresa parceira do Vasco, a PSM – que Pelé assinou um contrato milionário para comentar jogos.
O caso ganhou repercussão por que o principal personagem envolvido é nada menos que o atleta do século? Ou a imprensa faz um bom trabalho na cobertura das negociações dos clubes de futebol brasileiros? Em entrevista a este Observatório, o jornalista Juca Kfouri comentou o assunto.
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A mídia contribui para a moralização dos negócios e relações que envolvem o esporte?
Juca Kfouri – A mídia tem sido fundamental para que se abra a caixa-preta do futebol no país. Foi motivada por denúncias na imprensa que se fez, por exemplo, a CPI da CBF. Há alguns veículos que se limitam a noticiar – a parte que vive promiscuamente com a cartolagem nem isso, é claro –, outros têm postura mais ativa. São freqüentes, por exemplo, até editoriais que discutem o tema e firmam posições.
Você acredita que a imprensa rebateu as declarações de Pelé apenas por ele ser uma figura importante e reconhecida mundialmente?
J.K. – Tudo o que ele diz, repercute. Mas seria injusto dizer que só repercute quando a denúncia parte dele. As críticas que recebeu têm fundamento por um lado e não têm por outro. O fato de ele ter intermediado investimentos em clubes de futebol não deve ser impedimento para que ele critique o destino dos investimentos; ao contrário, até lhe dá mais autoridade para criticar. Já o fato de ele ter se envolvido em intermediações com o Vasco de Eurico Miranda merece críticas, porque ninguém pode alegar desconhecimento em relação ao ex-deputado.
Por que a imprensa normalmente deixa passar as suspeitas de corrupção nas negociatas do futebol e na má gestão dos clubes?
J.K. – Ao contrário, reafirmo que boa parte da imprensa tem sido vigilante.