Se os publicitários querem entender como funciona a cabeça da nova classe média brasileira, é uma “grande besteira” acreditar que vão conseguir chegar lá sem mudar a forma como trabalham. Isso significa dizer que eventuais visitas à casa do consumidor na periferia – algo que virou febre nas consultorias da área, para ver de perto o cotidiano dessas famílias – é algo que “simplesmente, não funciona”.
A avaliação crítica é de Kevin Roberts, presidente mundial da Saatchi & Saatchi, umas das mais tradicionais agências de propaganda do mundo – dona de contas como Procter & Gamble, Sony Ericsson e Toyota/Lexus. Roberts esteve no país nesta semana e passou quatro dias em São Paulo. Em entrevista ao Valor, ele disse que não conseguiu ver a cidade dessa vez. “Ficar no Emiliano [hotel], jantar no Dom e almoçar no Fasano não quer dizer que vi a cidade. Isso não é mundo real”, diz.
“E conhecer o mundo real é algo que pode fazer você mudar, e perder o controle sobre as coisas que conhecia, algo que gera resistências”, diz o publicitário, autor do livro “Lovemarks”, que prega que empresas precisam criar relações emocionais genuínas com as pessoas. Segundo ele, para entender o que o consumidor pensa e quer de um produto ou marca, é preciso criar uma conexão verdadeira com ele e se colocar em seu lugar. É um exercício diário, que nada tem a ver com visitas eventuais à casa de um consumidor, diz.
“Dessa maneira, você acaba conhecendo muito pouco sobre esse consumidor e passa a acreditar que aquele pouco é tudo”. E completa: “Ter pouco conhecimento é muito pior do que ter conhecimento nenhum sobre algo”.
Motivo especial
Nos últimos anos, grandes agências passaram a investir mais em estudos e análises sobre o mercado da classe C. O setor de consumo tem as mais importantes contas publicitárias do país (seis das dez maiores empresas que investem em publicidade são indústrias de consumo e varejistas). Em 2010 elas gastaram R$ 5 bilhões em campanhas, 20% acima de 2009.
Roberts visitou a sede da Ambev para uma apresentação a executivos da cerveja Skol. Também se reuniu ontem com o comando da brasileira DPZ, a agência controlada pelo grupo Publicis, dono da Saatchi & Saatchi. Questionado sobre a possibilidade de a DPZ passar a incorporar o nome da Saatchi, Roberts diz que “isso acontecerá ser for algo natural para as partes”. Pondera que “tem que fazer sentido, vir do coração. Eu senti que temos uma ligação, uma mesma forma de pensar. Eu espero que eles tenham pensado o mesmo. Estou com os dedos cruzados”.
Pelo acordo com a Publicis, o nome da DPZ não pode mudar por três anos. O Valor apurou que, futuramente, a DPZ pode ficar sob o “chapéu” da Saatchi & Saatchi.
No Brasil, a F/Nazca S&S faz parte da rede internacional de agências Saatchi & Saatchi. A F/Nazca, do publicitário Fabio Fernandes, cresceu 39% em valor investido em mídia em 2010.
Na avaliação de Roberts, o mercado de publicidade brasileiro evoluiu, em termos criativos e de gestão nos últimos anos, mas a integração de mídia digital e a tradicional não acontece com a rapidez como de mercados maduros por um motivo específico. “Aqui, a TV é muito forte. A influência é gigantesca. Os clientes têm medo de mudar”.
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[Adriana Mattos é da Redação do Valor Econômico]