‘No rastro da violência provocada pelo crime organizado em São Paulo, o tema educação voltou aos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele disse que se a educação houvesse recebido mais cuidados na década de 80, a violência hoje seria menor. Abstraindo-se o fato de a afirmativa caracterizar-se uma defesa antecipada – prevenia-se de acusações de descuido da segurança por parte do governo federal –, a imprensa deveria ter levado à frente o mote dado por Lula, incluindo o balanço do que o seu governo vem fazendo em relação ao tema.
Em Fortaleza, os problemas da educação escancaram-se à nossa frente – os professores das redes municipal e estadual desenvolvem longas greves – e o máximo que os jornais conseguem fazer é uma cobertura burocrática, reagindo à movimentação, ora dos governos, ora dos sindicatos; mesmo assim, sem informar algumas questões primordiais e muitas vezes errando em dados básicos. A cobertura atém-se a atos espetaculosos, como passeatas, confrontos ou sessões na Assembléia Legislativa e na Câmara dos Vereadores. As informações resumem-se, basicamente, a declarações oficiais dos representantes das entidades sindicais de professores ou dos governos municipal e estadual.
Compulsei a cobertura do O Povo desde o fim de abril, quando iniciou-se a greve dos professores da rede municipal (a dos professores do estado começou na segunda quinzena de maio) e o que mais chama a atenção é a ausência dos principais prejudicados na greve: os estudantes. A palavra ‘aluno’ ou ‘estudante’ raramente é citada e, à exceção de duas matérias, uma falando de algumas escolas que funcionavam mesmo com a greve (12/5) e outra mostrando uma escola fechada devido ao movimento (19/5), os estudantes e suas famílias foram os grandes ausentes das notícias.
A cobertura, feita a partir da Redação, sem contato mais profundo com a realidade, não expôs nem mesmo algumas questões conjunturais, mas muito importantes. Por exemplo: os alunos e seus pais foram objeto de disputa entre a Prefeitura e os líderes dos professores, mas pouca atenção foi dada ao assunto. A Secretaria da Educação procurou manter as escolas abertas para oferecer a merenda aos alunos, contra o que se pôs o sindicato dos professores, a ponto de divulgar pelos bairros mensagens em carros com alto-falantes, mais ou menos como esta, como ouviu um leitor: ‘Aos pais dos alunos: as escolas públicas municipais estão em greve. Não levem seus filhos à escola. Estamos lutando por uma educação de qualidade. Apóiem a greve dos professores.’ Se as crianças ficam sem a alimentação na escola, terão como tê-la em casa? Onde os pais estão deixando essas crianças enquanto trabalham? Também quase nada se falou de uma disputa interna entre sindicatos, que pode estar contribuindo para manutenção do movimento.
Não se trata de entrar no mérito de quem tem razão, se professores ou administradores públicos. Mas o tema é muito importante para ficar apenas nas mãos do Estado e dos professores: nos interessa a todos, e o jornal tinha de fazer uma cobertura mais abrangente e aprofundada. O fato é que não se foi além do viés imposto pelos professores e pela administração pública: o aumento dos salários. Seria apenas esse o problema da educação?
Mais de um mês de greve é tempo suficiente para se pautar um amplo levantamento sobre as mazelas e os projetos para a educação. E a imprensa pode desempenhar um papel importante para levar a debate um tema com o poder de pôr o país no mapa do mundo, de forma a competir em pé de igualdade com outras nações.
Fragmentação
A abordagem do jornal também foi prejudicada pela extrema fragmentação, com o agravante de duas editorias, Cotidiano e Política, terem feito a cobertura, sem muita coordenação entre elas. Apesar de o principal assunto discutido ser o aumento de salários, não se informou quanto ganham os professores nem como ficariam os seus salários com o aumento reivindicado ou com o reajuste proposto. Ainda se divulgaram datas diferentes para o início da greve: lendo-se as matérias, não se tem certeza se a greve dos professores do estado começou no dia 16/5 ou 19/5, e se a municipal iniciou-se no dia 28/4 ou 29/4. Quanto ao reajuste reivindicado pelos professores do estado, saíram informações que seria 16%, 16,67%, 53% e 55%.
Antes do fim
Esta semana, recebi várias queixas a respeito da crítica ‘O grande confronto’ (‘Guia Vida & Arte’, edição de 26/5), sobre o filme X-Men 3 – O Confronto Final. Os leitores reclamavam que havia se revelado o fim do filme: um deles ficou ‘injuriado’, outro ‘surpreso’; ainda outro, declarando-se ‘fã’ das histórias em quadrinhos, classificou de ‘abuso’ o fato de a jornalista Camila Vieira, autora do texto, ter antecipado a informação que todos queriam descobrir apenas no escurinho do cinema.
Camila diz ter-se sentido ‘na obrigação’ de contar o fim do filme para ‘corroborar a tese de que o diretor não dimensionou a importância de alguns personagens para os quadrinhos.’ Afirma não ver problema no que fez, pois, para ela ‘o que conta mesmo na hora da fruição do filme é o processo todo até se chegar ao final.’ E completa: ‘Veja só: quase todo mundo já viu uma das cenas cruciais de Psicose, aquela em que a mocinha (sic) é esfaqueada no banheiro, mas acho que ninguém deixou de ver o filme, depois de ter visto aquela cena antes.’
1) Era perfeitamente possível mostrar a ‘tese’ de que o diretor (Brett Ratner) dera pouca importância a alguns personagens sem revelar o fim do filme; 2) quem tem de decidir como será a ‘fruição’ de um espetáculo é o espectador e não o crítico; 3) tirante o fato de acontecer praticamente no início do filme – e que Janeth Leigh não faz o papel de ‘mocinha’ –, ao comparar a cena clássica do mestre Alfred Hitchcock para justificar a sua atitude, a autora da resenha mistura alhos com bugalhos.
Revelar o fim do filme foi desrespeitoso ao espectador; uma experiência a não ser repetida.’