Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Esta coluna é uma espécie de continuação do artigo da semana passada, no qual abordei a contradição entre algumas informações veiculadas nas colunas e notícias publicadas pelas editorias. Esta semana, aconteceram dois casos graves em que notícias, separadas por poucas edições, traziam informações completamente divergentes, sem que nada houvesse ocorrido para modificar os fatos relatados.

Na edição de sexta-feira, a manchete de Primeira Página anunciava: ‘Saúde Pública – Secretário não vê risco de colapso’. No texto da matéria: ‘João Ananias não acredita que o sistema de saúde [do Ceará] possa entrar em colapso, a exemplo que acontece em Alagoas’. Segue-se declaração direta do secretário da Saúde: ‘Não vejo esse risco de colapso. Nós vivemos uma crise sistêmica muito grande, mas não estamos parados como em outros estados’.

O secretário tem todo o direito de criticar os outros estados e está no seu papel ao dizer que está trabalhando para evitar que o caos total (pois grave o problema já é) se instale na saúde pública do Ceará. Não fosse por um, chamemos assim, detalhe. Apenas quatro dias antes, na edição de segunda-feira, o jornal havia publicado, também na Primeira Página, a seguinte chamada: ‘Crise pode chegar ao Ceará, alerta secretário’; na matéria está escrito: ‘Para o titular da Secretaria da Saúde do Estado, João Ananias, os problemas atuais do setor o forçam a não descartar uma crise na área, semelhante à de Pernambuco, que precisou transferir doentes para o Ceará, e de Alagoas, onde os médicos paralisaram as atividades por 80 dias, e muitos hospitais continuam fechados’.

Em qual secretário acreditar: no que fala na edição de segunda-feira ou naquele das declarações de sexta-feira? Mas, até aí, responsabilidade continua sendo de João Ananias, que deve ter percebido – ou lhe chamaram a atenção – a gravidade de suas afirmações e tentou consertá-las, marcando uma entrevista coletiva para corrigir o que falara. O problema passa a ser do jornal quando reproduz ambas as declarações sem pô-las em confronto, de modo a mostrar a contradição insanável entre elas. Fez-se o pior do que se convencionou chamar de ‘jornalismo declaratório’: o simples registro de afirmações, sem buscar cotejá-las com a realidade ou mesmo com uma das edições recentes do jornal. A obrigação do repórter, durante a entrevista coletiva, seria, educadamente, confrontar o secretário com suas declarações anteriores. A notícia, portanto, não era a afirmativa do secretário negando ‘risco de colapso’ na rede hospitalar do Estado, mas os motivos que justificariam a sua repentina mudança de opinião.

Copa

Na edição de 18/8, a editoria Gol! publicou a seguinte matéria, com título em letras maiúsculas, ocupando duas linhas e cinco colunas: ‘Sem condições para a Copa’, na qual se escrevia que ‘inspetores’ do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) haviam realizado uma ‘fiscalização’ no estádio Governador Plácido Castelo, o Castelão, com o objetivo de ‘traçar um panorama da infra-estrutura nas cidades brasileiras pré-candidatas à Copa do Mundo de 2014’. O jornal reproduz, no início da matéria, a declaração do arquiteto Vicente de Castro Mello, um dos técnicos: ‘Olha, no momento, de acordo com as poucas informações que nos foram repassadas, eu poderia dizer que Maceió e Natal estariam um pouco à frente de Fortaleza’. O texto informava também que o estudo do Sincaeco seria ‘encaminhado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF)’.

No comentário interno, fiz questionamentos: a) perguntei se o Sinaenco era representante oficial da CBF ou da Fifa (a federação internacional do futebol); b) como o título da matéria podia ser tão assertivo, a partir da declaração superficial do técnico, dizendo ter ‘poucas informações’, ao comparar Fortaleza a outras cidades. A resposta que obtive da editoria foi a repetição de que o resultado da análise seria ‘encaminhado’ à CBF e que esta teria ‘conhecimento’ da fiscalização. Nada sobre se o trabalho era oficial ou de iniciativa da entidade classista. Quanto à declaração do arquiteto, a editoria considerou suficiente para sustentar o título.

O problema é que na edição de sexta-feira, com o título ‘Fortaleza entra em campo pela Copa’, o jornal informa que uma delegação do Ceará, incluindo quatro secretários do Estado, seguira para o Rio de Janeiro para ‘apresentar a candidatura de Fortaleza para dez inspetores da Fifa’, e que ‘a comitiva internacional’ da Fifa começaria avaliar ‘mais de perto as chances de Fortaleza e das outras 17 cidades brasileiras, também interessadas em receber os jogos do mundial [de futebol]’. Isto é, se o Brasil for escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, decisão que sairá no dia 30 de outubro.

Pode-se supor, com um razoável grau de acerto, que as informações corretas são da segunda matéria, pois a Fifa, se nomeou seus próprios inspetores, não recorreria a serviço de terceiros para avaliar as cidades concorrentes. Também se pode imaginar que o Sincaeco fez a fiscalização por iniciativa própria, sem caráter oficial: não estava a serviço da CBF nem da Fifa, assim, não se justificaria o destaque dado ao assunto e muito menos o título afirmando que Fortaleza estaria ‘sem condições para a Copa’. Mas o leitor não é obrigado a comparar cada notícia publicada para sabê-las verdadeiras. Além disso, é plausível esperar esclarecimento nas páginas do jornal, e não que deixe seus leitores entregues a um jogo de adivinhações e suposições. Assim é legítimo que o leitor pergunte em qual notícia confiar: na que diz que o Castelão está ‘sem condições’ ou na outra afirmando que ‘Fortaleza entra em campo pela Copa’? (Concluo esta coluna na sexta-feira, portanto, não tenho como analisar como o jornal vai tratar o resultado do encontro entre a delegação cearense e os inspetores da Fifa, que seria publicado na edição de ontem.)’