A saída do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, recebeu na imprensa conservadora um tratamento que é bom exemplo da profunda e multicentenária dificuldade de diálogo entre as chamadas ‘classes produtoras’ e o povo.
Daquelas elites – isto é, dos empresários agrícolas brasileiros – o porta-voz inequívoco é o jornal Estado de S.Paulo. Seus editoriais à página 3 tanto fazem a cabeça das classes dominantes no pujante interior paulista como são porta-vozes das convicções deste segmento. Há fazendeiros que em tom de brincadeira dizem que ao acordar vão à porta de casa recolher o Estadão e o trazem embaixo do braço para absorver, por osmose, as opiniões do tradicional matutino. Anos, décadas seguidas, dessas doses diárias de informação e opinião moldam a visão de mundo daquelas elites.
Na sexta-feira (30/6), a página 3 no alto da página o título ‘Agricultura ameaçada’ e fazia considerações em torno da saída do ministro. O editorial inventaria vários aspectos da crise no setor e para cada um deles aponta um culpado. Só que a se acreditar no Estado o vilão é sempre Lula, ‘incapaz de escolher, de forma conseqüente, entre modernidade a atraso’. Ora, não é nada disso: Lula, assim como FHC, apenas não têm como ignorar nossos milhões de sem-terra. Lula já vestiu o boné do MST, mas não deixou de prender Bruno Maranhão, líder do MLST na baderna da Câmara.
Pressões ruralistas
A mágica que a administração petista ainda não conseguiu fazer é a um só tempo aceitar o custo político das metas fiscais, respeitar liberdade de preços e câmbio, não emitir moeda, não subsidiar a agricultura porque está comprometida com os 4,5% de superávit – fazer tudo isso e ainda agradar à agropecuária nacional. Se sobram 30 bilhões de dólares na balança comercial e o câmbio é livre, como impedir que fiquem depreciados? Em casa onde não tem pão todos reclamam e ninguém tem razão, dizia meu guru.
O editorial segue lançando generalidades do tipo o ‘aparelhamento pelo PT de toda a administração federal’ sem fundamentá-las, sem apresentar estatísticas. Prove-se isso do ‘nem a Embrapa foi poupada’.
Compreendendo as dificuldades temporárias agricultura brasileira, Lula está em vias de estender a ela um pacote de bondades. Fala-se de 20 bilhões de reais e 20 anos de prazo para as dívidas do setor. FHC também cedeu à pressão da bancada ruralista no Congresso e nem por isso a UDR deixou de atacá-lo.
Falsas relações
Em linguagem bem direta e rasteira: falta à imprensa conservadora o mesmo que falta aos ricos brasileiros: a perspectiva do outro. Aliás, o PT nos anos reivindicantes fez igual: não tinha que resolver, bastava-lhe apontar defeitos.
Mais interessante do que espicaçar o que teria levado um empresário agrícola bem-sucedido a pedir demissão do ministério é apurar como durou três anos e meio no posto de ministro de um governo que, no dizer dos conservadores, dá dinheiro para ‘tornar insegura a produção agrícola’ – como se Lula agora nomeasse João Pedro Stédile para o lugar de Roberto Rodrigues.
Não sendo justo nas críticas, não reconhecendo ao adversário os devidos feitos e estabelecendo falsas relações de causa e efeito no caso de uma figura carismática como Lula, isso o isola na comunicação direta com o povo, sem a intermediação de outros agentes políticos. É o que se poderia chamar de estufa do populismo.
******
Diretor de ONG, Bahia