Raniero Cantalamessa, na qualidade de Pregador Apostólico do Vaticano, tem como função, nos preparativos da Páscoa e do Natal, propor temas de meditação na presença do papa, cardeais, bispos e superiores de ordens religiosas.
Geralmente suas homilias não são notícia para ninguém, exceto talvez para os setores eclesiásticos mais engajados. Contudo, na sexta-feira (15/12), chamou a atenção da mídia internacional texto que o próprio frade Cantalamessa divulgou em seu site. Dissertando sobre temas relacionados ao choro dos penitentes, sugeriu à igreja que faça um ato explícito de desagravo pelo escândalo dos padres que molestaram sexualmente centenas de crianças e adolescentes ao longo das últimas décadas:
‘È venuto il momento, dopo l’emergenza, di fare la cosa più importante di tutte: piangere davanti a Dio’.
Afora o choro compungido perante Deus, será que realmente foram ou serão tomadas, em espírito de ‘emergência’ (emergência um tanto atrasada…), as medidas certas para que tais abusos não se repitam? O papa está preocupado com a questão, talvez mais do que João Paulo II estava. Quando o problema permanecia intramuros, tentava-se contorná-lo burocraticamente, transferir o faltoso para outra cidade, aplicar panos quentes. Mas tudo veio à tona, manchetes candentes, a idoneidade dos sacerdotes católicos (nos EUA, sobretudo, mas em todo mundo) ficou comprometida.
Destaque especial
Disse Cantalamessa que a Igreja já pagou ‘un prezzo altissimo’ por esses escândalos. Além das altíssimas indenizações, o preço moral. Em maio de 2007, a Congregação para a Doutrina da Fé puniu o padre mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, exigindo que renunciasse à sua atuação externa, e se recolhesse em oração e penitência. A Igreja, nas entrelinhas, reconhece como verdadeiras as acusações de pedofilia feitas contra Maciel.
Que tratamento poderá o Vaticano dar aos fatos, perante a opinião pública católica, e não só católica? Alguns padres condenados pela justiça norte-americana concedem entrevistas e escrevem livros de memórias, jogando a culpa em seus superiores e na própria Igreja. Põem fogo.
Cantalamessa costuma dizer que milhões de pessoas são mal informadas pela mídia sobre a Igreja católica. Certamente não há muita simpatia por ela. Suas fragilidades têm especial destaque. No entanto, denunciar atos de pedofilia praticados por padres (tão ou mais condenáveis do que os praticados por pais, padrastos, tios…) tornou-se uma forma de ajudar a igreja a cauterizar suas feridas.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br