Por que comentaristas políticos profissionais que atuam na imprensa brasileira não denominam Geddel Vieira Lima, ministro da poderosa pasta de Integração Nacional, pelo seu verdadeiro nome? Pela simples razão de que, no Brasil, a tradição que vem da colônia é bajular quem está de plantão no poder. Jornalistas da mainstream media, por instinto de sobrevivência, em geral temem contrariar quem está por cima da carne seca. Isto não apenas na análise política, mas em outras esferas da vida pública.
Um dia o jornal estampa que tal cantora está grávida. No outro ela anuncia que perdeu o bebê, simplesmente assim. Nenhuma suspeita. Simplesmente não se fala mais nisso. Fosse uma babá flagrada seduzida por um vendedor, programas populistas que grassam na tela, a exemplo, em Salvador, de ‘Bocão’ e congêneres, fariam a farra.
Em relação ao tabuleiro político nacional, nas próximas semanas é certo que aquele ministro baiano vai ser citado nas colunas como provável sucessor de Antonio Carlos Magalhães no quarto maior colégio eleitoral do país, onde Lula sempre foi bem votado. A ironia, desde já, ouvindo os profissionais do ofício na cobertura em tempo real do resultado das urnas nos principais veículos de comunicação do país nessas eleições, é perceber a acriticidade dos palpites, a desfaçatez com que se elogia esse ou aquele ‘vencedor’ pela simples vantagem obtida na contagem dos votos. Partindo esses elogios dos chamados ‘formadores de opinião’, ou dos que têm espaço nos jornais, rádio e TV, é a própria opinião deles que merece ser recebida com certo grau de desconfiança.
Carlista de quatro costados
O governador Jaques Wagner declarou já na tarde do dia da eleição que o crescimento político de Geddel se deve à aliança do PT com o PMDB para elegê-lo, a Wagner, governador da Bahia. Foi sincero. A surpreendente vitória de Wagner em 2006, já no primeiro turno, dando também maioria de votos a Lula na reeleição deste, cacifou o governador a articular a indicação de um ministério.
O seu agora derrotado candidato a prefeito, Walter Pinheiro, se apresentava como nome natural àquela indicação. Porém o resultado das urnas forçava a presença do PMDB estadual, principal aliado do PT no governo, nas secretarias locais e ministério. Wagner elogiou e cacifou Geddel, ex-tropa de choque de Fernando Henrique Cardoso, para uma das pastas mais estratégicas e mais bem orçadas do atual federalismo. Pinheiro, que havia se insurgido contra a sua própria bancada na Câmara dos Deputados em votações como a reforma da Previdência e durante o ‘mensalão’, ficou a ver navios.
A sua e a derrota do PT em Salvador nesta eleição municipal são o coroamento de um projeto político tão ou mais retrógrado quanto seria a vitória do ex-governador César Borges nas eleições da capital em 2004, quando o insosso João Henrique Carneiro bateu o já agonizante carlismo. Seja porque o prefeito reeleito, embora um bom-moço, é uma personagem inexpressiva em termos de autonomia política, econômica ou intelectual, seja porque o principal fiador de sua reeleição é da pior estirpe dos antigos mandatários que ainda enxergam a Bahia como uma capitania de donatários. Geddel Vieira Lima, filho e herdeiro de um carlista de quatro costados, defenestrado por ACM, precisa ser impedido de comandar este sofrido estado, como hoje ele imagina vir a governar.
A babação de ovo
O resultado das urnas o credencia a disputar espaços de poder com Wagner, que nesta eleição foi abandonado por aquele a quem serviu na pior fase do ‘mensalão’ e na administração da crise do bispo Luiz Flávio Cappio, que se opõe à milionária ‘transposição’ do rio São Francisco. Lula é um animal político, não aceita tutelas nem concorrências. Mas convém não esquecer que há dois anos Wagner era apresentado nacionalmente, devido à sua vitória eleitoral, como um dos nomes petistas à sucessão presidencial. Lula o mandou às favas agora, permitindo que Geddel fizesse barba, cabelo e bigode em Salvador, além de ter sido por ele ‘homenageado’ com medalhas alguns dias antes do pleito. O mesmo Geddel que desqualificou dom Cappio e todos os estudos que cabalmente demonstram os equívocos e prejuízos da propalada multimilionária transposição do velho Chico.
Uma vez que a partir de agora toma lugar de relevância na política baiana, Geddel Vieira Lima deve ser não apenas investigado, mas ter o resultado de tais investigações publicizado. O teste que o credenciaria como apto a ocupar o vácuo que lhe permitiram Lula e o PT (Wagner, seu patrocinador, incluído) é o nível de respostas que ele der à exposição de seus antecedentes que, para quem convive há algum tempo com os bastidores da política regional, são nada abonadores. Ampla defesa deve ser-lhe oferecida, mas é preciso levantar o volume da herança material que ele herdou do ex-deputado e ex-secretário Afrísio Vieira Lima – denunciado por ACM. Que, apesar dos pesares, provou, diversas vezes, ter bala na agulha quando atirava. Foi assim, por exemplo, quando atacou Jader Barbalho.
Seria uma lástima que, no processo de fortalecimento das instituições que lutam por formas de gestão democráticas do Estado brasileiro, estilos de governança patrimonialistas e na base da intimidação – pelo dinheiro, pela ameaça ou pelo chicote – venham a ser refundados na Bahia, depois da morte dos seus antigos coronéis e oligarcas. A Bahia que hoje sangra com a estimativa anual de 2.000 assassinatos de jovens e adolescentes, a maioria negra e favelada. Geddel, ao se apresentar como principal cacique da reeleição de um prefeito que passou mais de três anos em trapalhadas e vacilações administrativas, representa esta ameaça. Ao menos, o seu histórico a isso remete. Que nos acautelemos, pois. E procuremos meios de nos defender da babação de ovo dos profissionais do colunismo político.
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Jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, doutor em Ciências da Comunicação pela USP, pesquisador-visitante da Freie Universität, de Berlim, em estágio de pós-doutorado com bolsa da Capes