O espancamento de uma mulher por jovens ricos vem sendo tratado pela mídia como se fossem ‘jovens de classe média’. Qual o significado desta expressão? Por que não dizer jovens ricos? Afinal, aqueles rapazes são o quê?
Em artigo na página de opinião de O Globo (12/6), o jornalista Ali Kamel publicou um texto intitulado ‘Racismo e estatística’ no qual, para justificar seu argumento contra as ações afirmativas, contesta de forma pedante e deselegante o trabalho ‘Relações raciais na escola: reprodução de desigualdade em nome da igualdade’, de Mary Garcia Castro e Miriam Abramovay.
Em certo momento, Kamel perde a compostura e afirma: ‘As autoras cometeram um estupendo erro metodológico’.
Uma pena. Até então, Kamel vinha escrevendo de forma sistemática e regular, de um modo geral usando argumentos e informações consistentes, a maioria deles baseados em dados do IBGE. De todo modo, vale a pena reproduzir três parágrafos do artigo:
‘A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa desenvolveu uma metodologia para estimar o poder de compra das pessoas. Trata-se do `Critério de Classificação Econômica Brasil´, que divide a população entre as classes Al, A2, 13 1, 132, C, D e E. Às vezes, agregam-se duas classes ou mesmo quatro. Tal classificação, porém, nada tem a ver com renda. Como é que se define se um cidadão pertence a uma classe? De uma pequeníssima lista de bens e facilidades (televisão em cores, rádio, banheiro, automóvel, aspirador de pó, máquina de lavar, vídeo ou DVD, geladeira e freezer), perguntas e quantos de cada item o entrevistado possui.
‘Pergunta-se também se o entrevistado tem empregado doméstico mensalista (incluindo motorista) e qual o grau de instrução do chefe de família. Os bens relacionados, o número de empregados e o grau de instrução do chefe da casa vão somando pontos. Serão da classe Al todos os que somarem de 30 a 34 pontos; da classe A2, de 25 a 29 pontos (e assim por diante, até a classe E, de 0 a 5 pontos).’
Kamel conclui:
‘Não é preciso muito esforço para se perceber que duas pessoas podem ser da classe A (Al e A2) mesmo tendo rendas e padrões de vida muito diferentes.’
Sem dúvidas
Quem usa esses critérios é o Ibope, o Datafolha, o Gallup – essas empresas de sondagem que se auto-intitulam ‘institutos de pesquisa’. Há muito tempo, neste Observatório, Alberto Dines vem mostrando este uso indevido da expressão.
Deixando de lado a questão metodológica e tomando como referência os dados – contestáveis – de Ali Kamel, só é possível alcançar a seguintes conclusão: os ricos pertencem à classe A1. Ou eles estão nesta categoria, ou o Brasil não tem ricos.
Ora, na residência daqueles que toda a imprensa chama de ‘jovens de classe média’ com certez, há mais de dois banheiros, mais de dois aparelhos de TV, computadores, empregadas domésticas, automóveis. A que outra conclusão chegar?
A maioria da população, que estaria nas classes C, D e E, não tem dúvidas: todos das classes A e B são ricos! O que seria classe média? Os da categoria C? Ou aqueles da B? Ou seria a A2?
Sobra a pergunta: por que chamar estes rapazes ricos de ‘jovens de classe média’?
******
Jornalista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo