A Folha de S. Paulo publica com grande alarde que a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares tramou, mas acabou não executando, o sequestro do ministro Delfim Netto no final de 1969.
O plano teria entrado na ordem do dia após o racha que reconstituiu a Vanguarda Popular Revolucionária, no Congresso de Teresópolis. Era a ação espetacular com que a VAR contava provar que a saída dos principais quadros de origem militar não teria afetado a capacidade operacional de seus grupos táticos – pois ficara, para o restante da esquerda, a impressão de que a VPR faria a guerrilha e a VAR se restringiria à atuação junto às massas.
José Raimundo da Costa (o Moisés, que passou à História como o último comandante da VPR) e eu fomos os iniciadores do racha e os mais alvejados pelas críticas do pessoal que ficaria na VAR. Então, teoricamente, nada tenho a ver com essa história. Ela se refere à organização com a qual eu havia rompido e que me endereçara pesadas acusações, como costuma ocorrer nas lutas internas.
Mesmo assim, faço questão de deixar registrado que era uma decisão corretíssima da VAR: por seu papel histórico como signatário do Ato Institucional nº 5, Delfim Netto merecia, sim, servir como moeda de troca para livrar companheiros da tortura e da morte nos cárceres da ditadura.
Pois foi o malfadado AI-5 que deu o sinal verde para a linha dura militar praticar todas as atrocidades do período mais totalitário da História brasileira. Tenho reiteradamente afirmado que, mais que dos próprios torturadores, a responsabilidade por aquele festival de horrores foi de quem retirou a coleira dos pitbulls. De cães de ataque só se espera que ajam de acordo com sua natureza; quem lhes determina o alvo e os açula é sempre o maior culpado.
Jogo sujo
Delfim Netto sabia muito bem o que adviria da proibição de habeas corpus para os acusados de ‘subversão’ e da possibilidade de mantê-los presos, incomunicáveis, durante 30 dias (prazo que acabaria sendo ultrapassado na prática: eu mesmo fiquei incomunicável por 75 dias).
Ele não era nenhum inocente útil, mas sim, um culpado inútil, com a agravante de que tinha mais discernimento do que a maioria dos participantes daquela ignóbil reunião.
Quanto à Folha, o enorme e injustificável espaço que dedicou a essa ‘Batalha de Itararé’ (um não-fato, já que o seqüestro nem sequer foi tentado) se deve, unicamente, ao fato de que Dilma Rousseff era dirigente da VAR e conhecia o plano.
Evidentemente, forneceu munição para as sórdidas campanhas de difamação que os sites de extrema-direita desencadearão e as correntes de e-mails maximizarão.
Já vim a público denunciar que a ralé fascista espalhara na internet uma ficha policial da ditadura a respeito de Rousseff, com várias incorreções (atribuíam-lhe ações armadas praticadas por organização a que ela não pertencia).
Como daquela vez, reitero que, não sendo partidário da candidatura presidencial de Dilma nem tendo afinidade com ela, repudio com veemência o jogo sujo de quem exuma episódios do passado para servirem, preconceituosamente, como arma política no presente.
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Jornalista, escritor e ex-preso político, mantém os blogs http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/ e http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/