Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Portais americanos dedicam bom espaço ao teatro

The Phantom of the Opera, Wicked, Mamma Mia! e The Lion King. Esses são apenas alguns dos musicais que preenchem os circuitos permanentes de Nova York e Londres. O teatro faz parte da cultura desses grandes centros urbanos e atrai cada vez mais um público jovem que, às vezes, vem de outros países só para apreciar a quinta arte.

A quantidade de pessoas que não apenas frequentam as peças e os musicais, mas é também fã assídua, não é pequena. Pensando nesse público foram criados, nos Estados Unidos, sites como o Broadway.com, o Broadway World e o Playbill (este último também patrocina os programas das peças e dos musicais).

Nos portais jornalísticos brasileiros, excetuando-se montagens de grande sucesso, como O Fantasma da Ópera e O Rei Leão, que ficaram em cartaz por respectivamente 24 e 21 meses em São Paulo, não é frequente que o teatro apareça com destaque na mídia, muito menos que existam sites voltados para esse mercado.

O A Broadway É Aqui, considerado um dos maiores sites sobre o ramo no Brasil, teve em torno de nove mil visitas no mês de maio. Os sites americanos Playbill, Broadway.com e Broadway World tiveram, cada um deles, pouco mais de um milhão de visitas no mesmo período, sendo o último o mais acessado entre eles.

Mídia pauta nossos relacionamentos

Originalmente uma revista (que ainda está em circulação), o Playbill está no ar desde 1994 com o objetivo de trazer notícias de última hora sobre a indústria teatral com foco em Nova York, mas incluindo também eventos regionais, internacionais e até mesmo tours.

O Broadway.com, além de noticiar o universo do teatro e trazer conteúdos exclusivos (seu canal no YouTube possui mais de cem mil inscritos), também faz a venda de ingressos. De acordo com o relatório da The Broadway League Audience Demographics, é, desde 2009, a fonte mais influente para se conseguir informações sobre a Broadway.

Online desde 2002, o Broadway World tem uma abrangência maior, abordando conteúdos de outras cidades fora do eixo Nova York – Londres, incluindo cidades brasileiras. Além de informações sobre peças em cartaz, notícias do que acontece na indústria e venda de ingressos (não apenas para os Estados Unidos), o site ainda conta com páginas que auxiliam o leitor a programar sua viagem (reservar hotel, guia da cidade, calendário de eventos) e um banco de dados com mais de 12 mil produções.

Embora o conteúdo veiculado nesses sites seja voltado para os apreciadores dessa arte, não é todo acontecimento que vira notícia. Afinal, não é possível publicar tudo que acontece sobre uma área. Os sites pautam, além de temas que são de interesse do seu público, questões que também geram assunto e, consequentemente, podem implicar mais acesso para os sites. Essa escolha pode ser explicada pela teoria do agendamento, segundo a qual as notícias são como são porque a mídia quer que a população fale sobre esses assuntos. O jornalista Felipe Pena esclarece esta questão:

“A teoria do agendamento defende a ideia que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação agendam nossas conversas. Ou seja, a mídia nos diz sobre o que falar e pauta nossos relacionamentos” (PENA, 2005: 142).

O quinto ator a assumir o papel de Hedwig

Portanto, a mídia agenda o que, como e em que pensar. O italiano Mauro Wolf, estudioso de comunicação em massa, cita Cohen para descrever mais sobre o processo de agendamento.

“[…] se é verdade que a imprensa pode não conseguir, na maior parte do tempo, dizer às pessoas o que pensar, por outro lado ela se encontra surpreendentemente em condições de dizer aos próprios leitores sobre quais temas pensar alguma coisa” (COHEN apud WOLF, 2008: 143-144).

Para o propósito deste estudo, foram analisadas três entrevistas, em vídeo, realizadas pelos veículos norte-americanos já citados acima. As três possuem a mesma pauta e foram realizadas no mesmo dia, durante uma coletiva de imprensa. Nela, os atores Darren Criss e Rebecca Naomi Jones foram apresentados oficialmente como novo elenco do musical Hedwig and the Angry Inch, assumindo respectivamente os papéis de Hedwig e Yitzhak. No entanto, as abordagens feitas pelos veículos são diferentes.

Hedwig and the Angry Inch teve sua primeira montagem em 1998 no circuito Off-Broadway. Com livro de John Cameron Mitchell e letras de Stephen Trask, o musical acompanha a história de Hedwig Robinson, uma cantora genderqueer alemã, e sua banda (que inclui seu marido, Yitzhak) durante uma turnê em que segue a turnê do rockstar Tommy Gnosis. No decorrer da peça, Hedwig acaba contando sua história para a plateia, desde que era Hansel, na Alemanha, passando por uma cirurgia de mudança de sexo para poder fugir para os Estados Unidos com o então marido Luther Robinson, até sua história com Tommy.

Darren Criss é o quinto ator a assumir o papel de Hedwig desde que a peça entrou em cartaz no circuito da Broadway, em abril de 2014. O ator é mais conhecido pelo seu papel como o adolescente gay Blaine Anderson na série norte-americana Glee, e por ser um dos co-fundadores do grupo de teatro norte-americano Team Starkid.

A cultura drag

Broadway.com [disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1j9SjGcOXIw (acessado em 27/5/2015)]

A grande diferença já se dá no título do video, Darren Criss (Glee) Gets Ready to Star in Hedwig and the Angry Inch. O veículo é o único a mencionar o mais recente, e também mais conhecido, trabalho do ator de maneira tão direta. No entanto, o trabalho de Criss na série é mencionado apenas uma vez, quando perguntado sobre sua relação com a peça. Isso pode ser um indício tanto de que estão tentando atrair um público diferente do que o habitual, como de que estão querendo que se fale sobre o musical, mas não sobre o último trabalho de Criss.

Durante a entrevista, que dura cerca de 4min30, o repórter do veículo tem uma aproximação mais informal com o ator, mantendo a entrevista como uma conversa bastante fluída. A relação de Criss com Hedwig, antes mesmo de ser escalado para o elenco, é abordada com frequência. A história dele com o filme, a vontade que sempre teve de participar da peça, sua reação quando foi anunciada a nova montagem na Broadway são alguns desses exemplos.

No entanto, o foco acaba ficando na preparação do ator para assumir o papel. Mantendo o tom descontraído, ele brinca com a questão da maquiagem, de sua roupa e dos ensaios que, por mais desgastantes que sejam, deixam-no cada vez mais animado. Finalizando, ele fala de suas expectativas, e diz que a peça não está completa sem a presença do público.

Broadway World [disponível em:http://www.broadwayworld.com/videoplay.php?colid=971299#.VVNWs_lViko a partir de 9:25min (acessado em 27/5/2015)]

Também com uma aproximação informal, o repórter começa animado, parabenizando o ator por estar novamente na Broadway. Criss comenta o quão ansioso e entusiasmado está por integrar o elenco. Durante os 6min de entrevista, o tom mantido é sempre informal.

A história pessoal de Criss com Hedwig é rapidamente abordada, porém bastante detalhada, chegando a mencionar a importância do irmão para o desenvolvimento dessa paixão que o ator tem com a história. A mudança de ambiente, depois de cinco anos atuando na televisão, agora de volta aos palcos, e sua animação em relação a isso e aos ensaios, por mais desgastantes que sejam, também são pautados durante a entrevista.

Ainda é comentado sobre os ensaios, e a liberdade que a personagem dá a Criss, apesar de haver algumas questões técnicas que precisam ser bem marcadas. Ele acaba comparando a informalidade da peça com suas experiências como cantor. No entanto, ele diz que não consegue ter uma sensação de como realmente será a experiência, uma vez que ainda não teve contato com o público e o espetáculo só está completo com a plateia.

Embora sua entrada no elenco seja a angulação principal, a entrevista acaba abordando esse ponto de uma maneira mais íntima, o que acaba dando um tom mais familiar. A presença de sua família e amigos em sua vida, e até mesmo na comunidade teatral, é bastante abordada.

Playbill [disponível em: http://www.playbillvault.com/Show/Detail/Video/14041/346375/ e http://www.playbillvault.com/Show/Detail/Video/14041/346298/ (acessado em 27/5/2015)]

A entrevista é dividida em dois blocos, totalizando pouco mais de 2min30’ de vídeo. O corte impossibilitou perceber como era a relação de Criss com o repórter, uma vez que temos acesso apenas às respostas do ator.

O foco acaba ficando na personagem Hedwig e na caracterização. No primeiro bloco, é bastante mencionado a mudança de visual para a personagem, a cultura drag e a equipe de maquiagem. Criss acaba enfatizando a cultura drag, bastante importante na peça e que, sem desmerecer a personagem e o papel que está interpretando, acaba trazendo algo empoderador para ele, que faz com que ele se sinta bem e poderoso.

No segundo bloco acaba abordando a questão de a personagem usar salto alto durante toda a peça, e como é o processo de adaptação. Nesse ponto, Criss menciona sua passagem por Glee, onde já teve uma experiência semelhante. O tema da postura e, novamente, do poder que a personagem o traz, são tratadas rapidamente, talvez devido ao corte.

Considerações finais

Comparando as três entrevistas, pode-se notar o interesse da mídia em separar os trabalhos anteriores do ator daquilo que ele está assumindo no momento, uma vez que é um assunto que não é mencionado com frequência.

Embora nos três casos a entrevista tenha sido realizada após a coletiva de imprensa de apresentação do ator ao elenco e a principal abordagem seja essa, a relação dele com a história é um assunto recorrente. Nas entrevistas para o Broadway.com e o Broadway World, essa questão pode acabar chamando mais atenção do que a própria preparação de Criss para o papel, uma vez que é tratada de maneira mais emotiva. Isso pode indicar que a questão pessoal pode gerar mais assunto com os leitores e, consequentemente, mais acessos.

A preparação para a peça, no entanto, acaba sendo também abordada com frequência. Por ser uma personagem difícil de interpretar, tanto no ponto da atuação como na caracterização, a intensa abordagem do assunto faz com que essa informação fique retida na mente do leitor e, consequentemente, ele pense e converse mais sobre o assunto.

Uma vez que essas pautas são abordados pela maioria dos veículos analisados, é possível concluir que a teoria do agendamento está presente no caso aqui analisado e que isso é benéfico para essa cultura. O público, sendo incitado a pensar sobre esse assunto de uma maneira específica, gerará, de alguma maneira, benefícios para os veículos.

O fato de que, quando as entrevistas foram disponibilizadas online, Criss ainda não havia assumido o papel, pode mostrar a intenção dos veículos de ter esse tema como um assunto recorrente, o que tem se mostrado verdade. As manchetes sobre Criss nos veículos têm sido frequentes, não apenas por sua presença em Hedwig. Recentemente, ele foi o apresentador do Stars in the Alley, evento gratuito em que personalidades da Broadway encenam números dos musicais em cartaz. Ele também foi um dos apresentadores do Red Carpet do Tony Awards (maior premiação da Broadway).

Referências

PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. Editora Contexto, São Paulo, 2005, p. 142

WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações em Massa. Martins Fontes, São Paulo, 2008, p. 143-144.

***

Carolina Abrusio Carneiro da Cunha é estudante de Jornalismo