Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Preconceito contra a educação é ignorado pela mídia

Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), divulgada no início de março desse ano, as mulheres ainda recebem apenas 81% do que os homens que exercem funções equivalentes. Segundo pesquisa de emprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) relativa a 2013 e divulgada no início de 2014, negros recebem, em média, 57,4% do que brancos exercendo funções equivalentes.

Em ambos os casos já há um consenso muito bem estabelecido de que essa diferença não se justifica por nenhum critério, senão por puro preconceito. O Brasil nunca tratou bem mulheres e negros e ainda hoje, em pleno século 21, lutamos por igualdade de raça e gênero.

Os números apresentados acima têm visibilidade e despertam o debate porque a sociedade tem tentado mudar esse cenário e, de certa forma, tem vergonha de assumir-se como preconceituosa. Esses temas, pelo menos, já ganharam o direito de serem reconhecidos como tal pela mídia.

Mas há muitos outros preconceitos que atrasam nosso país e nem sempre têm a mesma visibilidade ou são tratados com a mesma importância; quer seja por desconhecimento ou desinteresse da própria mídia, quer porque nesses outros casos ainda não tenhamos uma massa crítica de pensadores e formadores de opinião devidamente esclarecidos ou com liberdade de expressão em seus meios de trabalho.

Situação de preconceito

Atualmente vivemos mais uma greve de professores no estado de São Paulo. Seria apenas mais uma, como diz desdenhosamente o governador Alckmin, ao afirmar que “Todo ano é essa novela”, não fosse pela inclusão de um item na pauta do movimento que traz à tona a mesma questão do preconceito evidenciada no início desse artigo. Um item que tem sido tratado de forma errada pela mídia, propositalmente ou não, mas que tem um significado muito profundo e importante.

Os professores do estado de São Paulo recebem, em média, 57% do que recebem os profissionais com formação superior equivalente. Compare com a situação dos negros e das mulheres e perceba que estamos tratando de problemas bastante semelhantes.

Da mesma forma que não se pode justificar por que a cor da pele de uma pessoa a torna um cidadão de segunda categoria fadado a receber menos por seu trabalho, também não se pode justificar que um professor de biologia deva receber praticamente a metade do que recebe um biólogo com a mesma formação mas trabalhando em uma empresa privada, por exemplo.

Quando se publica na imprensa que “os professores querem um aumento de 75,33%” isso soa como um absurdo. Onde já se viu dar um aumento desses para os professores? Porém, não se veem manchetes e reportagens dizendo que se paga aos professores 57% do que lhes era devido para que, no mínimo, não ficasse tão evidente essa situação de preconceito.

Mídia faz vista grossa

Deslocando-se o foco dessa reivindicação para o tema “aumento salarial”, ao invés de trata-la como “equiparação salarial”, transforma-se uma proposta de melhoria da qualidade do ensino por meio da valorização da carreira do magistério em uma simples reivindicação de aumento salarial imediato e desproposital.

Não se está aqui levantando bandeiras ufanistas que falam da importância dos professores para o desenvolvimento do país ou da construção de uma sociedade menos capenga que a nossa, nem se reivindicando alguma esmola para acalmar os esfomeados educadores. Está se falando pura e simplesmente em corrigir um erro histórico tão grave quando os erros tantos cometidos contra as mulheres e os negros, dentre outros tantos.

À parte de qualquer matiz político-ideológico, estamos aqui falando pura e simplesmente em economia. Aliás, estamos falando na forma mais pura de liberalismo econômico, onde o mercado rege as leis da oferta e procura. Se não há oferta de bons salários na educação pública, não há procura por bons profissionais. Sem bons profissionais o sistema produz menos, produz com menor qualidade e tem seus custos indiretos aumentados (como necessidade de formações complementares, produção de materiais didáticos direcionados, bônus para incentivar o trabalho, etc.). O resultado disso é a educação de baixa qualidade oferecida aos cidadãos que pagam impostos e não recebem bons serviços em troca.

Na contramão das políticas econômicas e educacionais de países que investiram pesado na Educação, como Japão, Coréia e Dinamarca, por exemplo, São Paulo vai dando sinais de que aqui ainda vale a lei da senzala, a visão estreita de um capitalismo fabril ultrapassado e um preconceito incompreensível com uma classe que deveria ser venerada, como se faz no Japão.

A questão que mais intriga nesse tema é entender como a mídia, os formadores de opinião, a academia e as instituições que defendem a Educação e tanto falam da necessidade de melhorar sua qualidade, possam, em sua maioria, fazerem vista grossa para essa situação (assim como se faz vista grossa ao preconceito contra negros e mulheres). A impressão que fica é que o preconceito com os professores causa a mesma vergonha que o preconceito de raça ou gênero, ainda que no caso dos professores não resulte em sanção e nem prisão. Mas talvez resulte em algo bem pior para o futuro dessa nação. Para refletir…

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José Carlos Antonio é licenciado e bacharel em Física pela Unesp e professor da rede pública estadual de SP