‘A era da pedra não acabou por falta de pedras’, disse Delfim Netto parafraseando um sociólogo americano cujo nome me falta, em um programa de TV, ao se referir a questões relacionadas à matriz energética. O experiente ex-ministro da Fazenda, (dos tempos da ditadura), mira o horizonte do futuro e é otimista em relação ao Brasil, mas acredita que os EUA têm ‘carta na manga’ para trucar no pós-crise e por isso é cauteloso em relação à sensação de ‘oba-oba’ provocada pelas descobertas das reservas de petróleo do pré-sal. Do Espírito Santo a Santos, foram confirmados 14 bilhões de barris, com estimativas que variam de 30 a 50 bilhões de barris no total, em áreas que podem chegar a 800 x 200 quilômetros de extensão. Reservas que nos colocariam em níveis equiparados à Venezuela e Rússia.
A observação de Delfim desenha-se em bifurcação; dois eventos que podem se unir para a destruição de uma grande ilusão: a de o Brasil vir a ser uma grande potência. Digo ilusão por que a viabilidade de tal sonho depende de um sem número de eventos e atitudes reais que o próprio Brasil deve tomar. Um dos ramos da ‘forquilha’ proposta por Delfim é o ressurgir dos EUA – a grande potência a ser batida. Não obstante a crise que enfrenta, a maior economia do mundo possui um grande poder de recuperação, ainda que seja tardia, mas quando vier… Os Estados Unidos oferecem um leque imenso de opções de investimentos ao mundo, possuem ainda a maior demanda agregada do planeta – antes da crise, esta nação consumia 30% do PIB do mundo e observem que o tamanho da crise foi proporcional ao ‘tamanho’ do país que a gerou. Os EUA possuem tecnologias de ponta em muitos setores e são ainda o país da moeda de circulação mundial (mesmo que tenha menor valor do que o euro). O poder de liquidez e convergência do dólar ainda é imbatível no globo.
Bravatas e populismo
Outra prerrogativa é o outro ramo da análise de Delfim – a questão energética. Os EUA estão se preparando (em silêncio) para ter total auto-suficiência em energia renovável, barata e não poluente. É agora que colocamos água no fogo da ilusão brasileira.
Se o Brasil foi muito menos afetado do que os EUA e Europa na crise, não nos esqueçamos de que os ciclos, (crescimento e crise) da economia acontecem com muito mais rapidez do que outrora. Vejam que as acelerações e retrações aconteceram em intervalos muito mais curtos de algumas décadas para cá. Em 2002, por exemplo, ocorreu uma crise; de 2004 a 2007, um crescimento vertiginoso a nível global; e logo após, o estouro da bolha. Acredito que a superação da crise, pelos gigantes, se dará mais rápido do que pensamos, e esta será para a formação de novas e maiores bolhas de especulação.
Economia vive de especulação. Ninguém investe, poupa, produz ou consome sem especular. É possível que os grandes, como os EUA, estejam demorando a ressurgir por que irão ter de dar um salto maior. Diríamos que estão tomando mais ar para terem mais fôlego para saltar mais alto. Delfim que corrija minhas metáforas. O Brasil comemora crescimentos medíocres e ainda maquiados por ocasiões tais como a bonança internacional, crédito fácil, desoneração, políticas expansionistas, paternalismo, subsídios, reservas de mercado. Os dados minimamente positivos da economia vêm acompanhados de bravatas, os negativos são disfarçados pelo marketing populista do presidente Lula ou pelo eufemismo excessivo do ministro Mantega.
Trabalhando em silêncio
Economia não combina com palanque. Tenho medo de economistas otimistas demais. O Brasil ainda é muito dependente da exportação das suas commodities, no Brasil falta educação estratégica para a tecnologia e para a manufatura. No Brasil, a mão-de-obra é barata e o poder de compra é pequeno. O Brasil permite que investidores o explorem sem que ele se beneficie disso. O Brasil precisa de uma reforma tributária urgente, as nossas leis trabalhistas promovem o desemprego, além de dificultar o empreendedorismo (principalmente das microempresas), o Brasil está no topo no ranking da corrupção, o Brasil se vê obrigado a usar políticas ortodoxas (taxas de juros altas) para conter o velho inimigo, a inflação.
Infelizmente, o Brasil não se aproveita dos mais de 150 milhões de hectares de terra agricultável, do bom clima, da abundância de água para investir no agronegócio, na policultura, o Brasil desmata indiscriminadamente, o Brasil polui água e ar (além do alto passivo ambiental, não se preocupa com educação para preservação, nem em impor punições severas às empresas). O Brasil vem perdendo o controle do trânsito nas grandes metrópoles – está na cara que nossa malha viária já não comporta a frota gigantesca que aí está. As prefeituras dos grandes centros não conseguem oferecer infra-estrutura para sua população, que se agiganta como praga. Consequência do êxodo exacerbado, por sua vez, conseqüência da concentração de renda. Nosso parlamento é preguiçoso, interesseiro e politiqueiro, nossa justiça é morosa e prepotente, nosso governo é jactancioso e centralizado demais. Ora, ninguém convive mais de perto com os nossos mais de 5 mil municípios do que as suas prefeituras. Então por que não lhes dar mais autonomia, deixando os recursos nas prefeituras, descentralizando o poder, a receita e a responsabilidade? Por esse e por muitos outros motivos, o Brasil se vê frágil, dependente e lento.
O outro ramo que Delfim colocou é a questão da energia e, para ser mais exato, a questão do pré-sal. Volto ao início deste artigo, concordando com Delfim que disse que o petróleo não vai acabar, vai ficar obsoleto. E os motivos são muitos: sua exploração, beneficiamento e logística são caros, ele é altamente poluente, não é renovável, não é barato para as grandes potências e outros desdobramentos. Há muito que os EUA vêm buscando uma solução definitiva para não ter mais de se desgastar em conflitos no Oriente Médio por causa do ouro negro, nem ficar pressionada pela chantagem de Hugo Chávez que, não obstante suas ameaças e seu atrevimento, nunca fez boicote de seu principal produto aos americanos. Em suma, os EUA vêm trabalhando silenciosamente para produzir sua própria energia.
Deitados em berço esplêndido
Para ser menos genérico e mais específico e atual em relação ao Brasil, digo que o pré-sal pode vir a ser uma ilusão perdida. Talvez daqui a 10 ou 15 anos, depois de muito se haver gastado e especulado, o barril de petróleo valha bagatela. Um erro crasso que Lula e sua equipe vêm cometendo é ter deixado o programa do etanol e do biodiesel para segundo plano. A resposta para um investimento nessas alternativas de energia certamente seriam muito mais rápidas e baratas. É claro que tudo isso subordinado a rigorosos processos de pouso e alternância de culturas.
O Brasil poderia estar bem mais à frente nos seus programas de energias renováveis. Há já nos EUA, Japão, Coréia do Sul e alguns países na Europa, carros híbridos – movidos a gasolina e energia elétrica. Carros assim recarregam suas baterias através do giro de seus motores. Isto sem contar os carros movidos a água e a oxigênio. Falo aqui de tecnologia avançada para desenvolvimento de fontes alternativas de energia, algo que está distante do Brasil. Sendo assim, à primeira alavancada que esses países conseguirem dar, o avanço será de tal monta que o Brasil os perderá novamente de vista de tanto atrás que irá ficar. Olha que digo isto, sinceramente, com ufanismo no coração, plenamente ciente de nossa potência territorial, de nossa hidrografia, flora, recursos minerais, e outras tantas peculiaridades.
Estou quase crente de que o pré-sal não é o melhor caminho. O lugar mais elevado a que ele poderá nos levar é à subida de alguns degraus na condição de exportador de commodities porque auto-suficiência nós já temos (a Venezuela também). O problema do Brasil, além da desorganização de gestão, da cultura pândega e corrupta, o brasileiro não tira tempo, tem preguiça, ou não teve oportunidade para pensar. Enquanto comemoramos uma provável superação da crise, os avanços mínimos e esperamos deitados em berço esplêndido sermos uma grande potência, o resto do mundo trabalha com diligência de formigas e raciocina com argúcia de falconídeos. E olha que eu nem falei dos chineses que ‘infestam’ o mundo e o mercado como ‘pragas’.
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Comerciante e jornalista, Belo Horizonte, MG