SOBRE NOMES
Deonísio da Silva
O que dizem nossos nomes, 12/11/06
‘Você não escolhe uma porção de coisas na vida. Não escolhe seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua família, o dia de nascer, o dia de morrer.
Você provavelmente não escolheu o presidente da República. E, escolheu agora ou em 2002, não tinha escolhido quando ele perdeu as eleições presidenciais de 1989, para Fernando Collor de Mello, e as de 1994 e 1998, para Fernando Henrique Cardoso, de quem continua desafeto.
Nem seu nome você escolheu. Há um belo ensaio de Eduardo Guimarães, poeta, doutor em lingüística e professor da Unicamp, sobre o nome da pessoa. E o instigante estudo literário, tese de doutoramento da escritora Ana Maria Machado, orientada por ninguém menos do que o semiólogo Roland Barthes, intitulado Recado do Nome, uma leitura da obra de Guimarães Rosa, cujo cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas comemoramos este ano, à luz do nome de seus personagens.
Pobre Barthes! Doutor em semiologia, morreu atropelado em Paris por ignorar que o semáforo estava vermelho para ele e verde para o carro que o matou! A tradutora francesa Cecile Tricoire mostrou-me, em Paris, o local em que ele foi atropelado, sugerindo que talvez tivesse sido suicídio.
Em minha última aula na UFSCar, no Curso de Letras, chamei a atenção dos alunos, de cuja turma seria depois patrono, para as artimanhas do Diabo, no romance e na vida. Disse-lhes que se Raffiniert es Herr Gott (Deus é sutil) como diz Einstein, o Diabo, embora ardiloso, deixa rastros, ah como deixa! Por isso, agora, quando o Departamento de Letras daquela universidade me pediu um texto para celebrar os dez anos do Curso, dei uma prosa que fiz para um livro coletivo, A Quarta Margem, inspirado em Guimarães Rosa (Editora Garamond, org. de Rinaldo Fernandes).
Quem deu nomes a Deus e ao Diabo foi o Homem. Houve motivos para cada um ter o nome que tem. Cada nome tem sua própria história.
Há nomes que podem ser explicados facilmente. São repetidos nomes de pais, de avós, de tios, de outros parentes e de amigos. No Nordeste é comum juntar as sílabas de dois ou mais nomes, o que resulta em combinações às vezes esdrúxulas. Ou então os pais põem nos filhos nomes de vultos históricos ou de pessoas famosas.
O mais comum é que, sendo o Brasil um país católico, as pessoas tenham nomes de santos. Nascida a criança, o pai ou a mãe ia à folhinha e procurava o santo ou a santa do dia. O mais comum para as meninas era Maria, embora muitas vezes composto com outro.
Alguns nomes, muito comuns no Brasil, para cá vieram depois de fazer escala em Portugal. É o caso de José, do hebraico Yoseph, ‘Javé acrescenta’; de João, do hebraico Yehohonan, ‘Javé é misericordioso’; de Pedro, do hebraico Khephas, pelo grego Petros e o latim Petrus, nas três línguas com o significado de pedra; de Manuel e Manuela, do hebraico Im-manu-El, ‘Deus está conosco’.
Um nome muito freqüente é Antônio, que veio do latim Antonius, nome comum na antiga Roma, vindo dos etruscos, cuja língua desconhecemos, que se tornou muito popular em Portugal depois da canonização de Fernando de Bulhões de Taveira Azevedo, que tinha adotado o nome de Antônio ao entrar para a Ordem de São Francisco.
Santo Antônio é casamenteiro porque, sendo advogado, regularizou casamentos até então impossíveis no século em que viveu, o XIII. Por tal devoção, certas moças roubavam o Menino Jesus que compõe a imagem, prometendo devolvê-lo quando arrumassem marido, o que levou a Igreja a encomendar imagens com o menino preso aos braços do santo, para evitar o piedoso seqüestro. Santo muito popular, sua imagem foi incorporada às tropas no Brasil colonial e na República chegou a tenente-coronel.
Apesar de origens gregas e latinas predominarem na designação dos nomes de pessoas no Brasil, recebemos também influências da Europa, dos EUA, do Oriente Médio e mais recentemente da China e do Japão.
Outras vezes combinamos duas línguas, como em Kelly, do irlandês, onde tem o significado de guerreira, e Cristina, variação de cristã, seguidora de Cristo, praticante do cristianismo. Ou reduzimos, como Alex, de Alexandre, do grego Alexandros, e Sandra, de Alessandra, cujas raízes gregas dão idéia de quem luta para proteger.
Às vezes as misturas resultam em nomes desjeitosos. Pesquisadores encontraram Ava Gina, homenagem às atrizes Ava Gardner e Gina Lolobrígida.
No Brasil, oficialmente predominam os sobrenomes, mas, informalmente, os prenomes, ainda que às vezes antecedidos de títulos como doutor, ministro, secretário, professor.
E triunfam também os apelidos, como é o caso do presidente Lula.’
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