No domingo (10/4) a Folha de S. Paulo publicou pesquisa de seu Datafolha sobre a popularidade do prefeito José Serra que deveria ser lida com extrema preocupação pela imprensa paulista, pois mostra que seu público a leva cada vez menos a sério. Não fosse assim, a pesquisa não revelaria – apesar da campanha publicitária maciça que vem tentando colar na ex-prefeita Marta Suplicy a pecha de ‘irresponsável’ e divulgar uma suposta ‘herança maldita’ que ela teria deixado ao sucessor – que 70% dos paulistanos estão insatisfeitos com a nova administração. Se a eleição fosse hoje, a petista venceria o tucano com folga.
Após os números do Datafolha, decidi pesquisar os arquivos de jornais e revistas paulistas a respeito do que noticiaram (e opinaram) no início da gestão Marta sobre a herança que ela recebeu de Celso Pitta. Descobri que esses textos jornalísticos poderiam ser usados pelos veículos que os publicaram para afirmar que estão criticando a herança deixada por Marta tanto quanto criticaram a que ela recebeu de Pitta, e que a petista, a exemplo do atual prefeito tucano, também começou a governar São Paulo queixando-se da herança recebida.
Grave erro
Acho positivo que, sempre que um governo assuma, que a imprensa divulgue balanço da situação que recebeu do antecessor. Essa prática, inclusive, pode ser de interesse do governante que sai e prejudicial ao que entra, se este, ao fim de seu mandato, vier a perder na comparação com quem o antecedeu.
Mas é preciso, no entanto, não só que a imprensa divulgue a herança que um governante deixou a outro, mas que compare a que cada um deles recebeu. Só assim poder-se-á mensurar adequadamente o que foi o governo que terminou. Isso a imprensa de São Paulo não fez, ou seja, não comparou a herança que Marta recebeu de Pitta com a que Serra recebeu dela.
Aí está um grave erro da imprensa de São Paulo. E a população da cidade não engoliu, pois ignorou essa campanha inusitada, que me pareceu pretender prover desculpas à gritante inoperância do novo prefeito paulistano neste seu início de mandato, ao fazer estardalhaço tão grande sobre as dívidas deixadas por Marta, dizendo-as maiores que as deixadas por Pitta. Contudo, sem contextualizá-las, isto é, sem dizer à população quanto representam nos orçamentos de 2000 e de hoje. Além disso, sem mostrar a situação que têm hoje a saúde, a educação, o transporte paulistanos em comparação à que tinham no início de 2001.
Instinto de sobrevivência
Nos últimos 90 dias houve um esforço enorme da imprensa paulista para desconstruir a gestão Marta Suplicy. A revista IstoÉ, inclusive, em sua penúltima edição, estampou na capa foto da ex-prefeita e, em letras garrafais, a palavra ‘Irresponsável’. Veja, Estado de S.Paulo e Folha também publicaram montes de artigos, reportagens, cartas de leitores e editoriais tratando da ‘irresponsabilidade’ de Marta com as finanças paulistanas.
Novamente deixo claro que não vejo mal nenhum nisso se esses veículos tivessem tido a preocupação de comparar as heranças. Todos sabem, por exemplo, do caos que havia no transporte paulistano quando Marta assumiu, e todos sabem, também, do magnífico trabalho da ex-prefeita nessa área. Um trabalho amplamente aprovado pela população. E que gerou o paradoxo de ela não ter sido reeleita, embora encerrasse o mandato gozando de excelente avaliação popular.
O resultado dessa campanha difamatória da imprensa de São Paulo contra a ex-prefeita é que a população paulistana acaba de manifestar o mais absoluto desprezo por ela ao se mostrar – em esmagadora maioria, de acordo com o Datafolha – arrependida por ter eleito Serra. Não seria, então, o caso de a imprensa paulista começar a respeitar mais a inteligência de seu público? Se não o fizer por preocupação ética, que o faça por instinto de sobrevivência.
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Comerciante, São Paulo