A mídia brasileira replica o conteúdo das agências internacionais de notícias. Alguns veículos assinam mais de duas agências; outros, somente uma. O restante das informações é checado em sites de jornais estrangeiros ou em fontes alternativas de informação, como organizações não-governamentais. Se a direção do jornal for generosa, o redator da editoria internacional tem, à sua disposição, uma pequena verba para telefonemas internacionais e pode, então, conversar com algumas – mas não muitas – fontes. Correspondentes internacionais são inexistentes na grande parte das redações dos jornais brasileiros, salvo honrosas exceções como a Folha de S. Paulo, o Estado de S.Paulo e O Globo, vinculados a mega-empresas de comunicação.
As razões para tão pouco investimento no setor são várias. O custo operacional de manter um repórter em outros países não é baixo. Existe uma infra-estrutura mínima necessária para que ele tenha condições de fazer o trabalho de maneira mais satisfatória do que as próprias agências, que têm profissionais em quase todos os lugares do planeta. O jornalista tem que fazer valer o investimento que foi feito. Para alguns veículos, tal empreitada é praticamente impossível.
O ‘caderno internacional’ também não é o mais procurado pelos leitores. É o que concluiu um trabalho quantitativo e qualitativo realizado pelo pesquisador Jacques Weimberg, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), que demonstrou que as notícias do mundo estão em penúltimo lugar na preferência dos leitores. Somente 18% dos entrevistados gostariam de ter mais informações sobre o assunto.
Compreensão é rara
Devido às nossas próprias mazelas nacionais – que são muitas –, há também a justificativa de que não há urgência para o consumo da temática internacional. Para 99%, ‘há uma infinidade de outros assuntos prioritários à frente dos dilemas internacionais’. Se o assunto é violência, temos a nossa própria cota e ela nos é mais do suficiente. Conflitos, os temos de sobra: basta olhar para a guerra incessante entre policiais e traficantes nos morros das favelas cariocas que atinge civis que não têm nada a ver com isso. O PCC paulista é generoso em atentados terroristas. Para escrever sobre fome, miséria, pestes, não é necessário ir para a África e procurar além de nossas fronteiras políticas: as temos de sobra nas grandes metrópoles e em quaisquer rincões desse Brasil imenso em desigualdades sociais.
A cobertura internacional não é popular. Demanda, além de tudo, um prévio conhecimento para a sua mínima compreensão além do mero fato noticiado. É preciso conhecer um pouco de história, acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e isso, pela própria natureza da cobertura da imprensa, nem sempre é fácil, já que conflitos são esquecidos por algum tempo, para serem resgatados e voltarem à mídia quando algo de inédito acontece: uma invasão, um bombardeio, um estranhamento, um atentado, uma ofensiva. Mas tudo fica solto no ar. Fatos não têm causas e tampouco conseqüências. Surgem de tempos em tempos invocando nada mais do que um espaço a ser preenchido nas páginas dos impressos e ou nas grades dos telejornais. Por vezes, causam indignação dos leitores e espectadores, mas raramente a compreensão daquilo que é noticiado.
Simplificação do conflito
Se o jornalismo é descrito por muitos teóricos como uma forma de conhecimento, surge, então, um problema grave: o de como o mundo é percebido além dos limites impostos pela nossa geografia. O correspondente Leão Serva, em seu livro Jornalismo e Desinformação, revela o modo de produção e construção da notícia internacional e o serviço de desinformação que ela presta ao publicar somente aquilo que imediatamente desperta a atenção do leitor – sem explicar as múltiplas variáveis históricas e circunstanciais que deram origem àquele acontecimento. Seu objeto de estudo foi o conflito que ele mesmo cobriu por anos na região dos Bálcãs entre sérvios e croatas. Um cenário que ele descreve e que não é diferente da maioria das coberturas internacionais.
Atualmente, o caso mais dramático de notícias soltas, descontextualizadas, fragmentadas e reduzidas se refere à pauta jornalística do Oriente Médio, especificamente às questões israelo-palestinas. Cada ator desse jogo complexo já tem, aos olhos dos repórteres e editores de muitos veículos noticiosos, um papel pré-determinado e específico que não deve entrar em conflito ou contrariar o que pensam ou acreditam esses jornalistas. Devem atuar em um esquema maniqueísta de fácil compreensão e de preferência que seja ‘politicamente correto’ para que eles, jornalistas, se sintam engajados com a verdade absoluta e comprometidos com as causas maiores da humanidade infeliz. Sendo assim, neste jogo de fácil acesso e entendimento, mesmo que torto, os palestinos cumprem sempre o mesmo papel de povo oprimido que teve suas terras roubadas e ocupadas pelo invasor imperialista. Um povo que, sem razão alguma, tem suas vilas bombardeadas quase todos os dias, na grande parte das vezes pelo simples capricho do governo israelense, que não permite que eles esqueçam quem é o ‘manda-chuva’ do lugar.
Satisfazer o editor
E, conseqüentemente, prosseguindo sob a mesma lógica, os israelenses são os bad guys de toda essa história. População civil em Israel aparentemente não existe, poucas vezes eu a vi, ao contrário do vizinho que parece só ter civis pacíficos. A nação judaica é toda feita de tanques, pessoas uniformizadas e aparatos tecnológicos bélicos que estão ali para subjugar. Não posso discordar que seria mais fácil de resolver o conflito que assola há 60 anos a região se tudo fosse uma questão de somente expulsar os invasores israelenses e restituir a terra tomada aos palestinos, os quais, então, poderiam finalmente construir sua nação perdida, com progresso e justiça social, posto que são ‘bons selvagens’ e viveriam, todos, felizes para sempre ao lado de seus irmãos étnicos e de credo religioso. Porque, aparentemente, a paz não é feita porque somente um dos lados não a deseja e esse lado – certamente aos olhos da imprensa, que cata notícias em agências sem conhecer a história da região – é o lado judaico.
Israel não abre mão dos territórios ocupados e não aceita, na mesa de negociação de paz, o direito de retorno dos refugiados palestinos. Recusa-se a selar a paz com a Síria e devolver as colinas do Golan e, provavelmente, deseja invadir mais uma vez o Líbano para tomar suas terras férteis e a água, rara na região. Israel tem sonhos de expansão, reza o credo.
Discurso pronto, basta colocá-lo no papel e discuti-lo, vez ou outra, no boteco da esquina enquanto se saboreia uma cerveja com os colegas após mais um dia de trabalho para preencher uma – ou até duas – página de um jornal. Não raro, o título e a foto escolhidos não condizem com o conteúdo informativo do texto, mas satisfazem a edificação do sentido que o editor quer ver construído.
Não há respostas fáceis
Esse tipo de cobertura acrescenta muito pouco a uma compreensão mínima dos fatos e, conseqüentemente, pode fazer muito pouco por uma eventual pressão internacional para a busca de uma paz que seja justa para ambos os lados e duradoura. Porque não há como escrever e falar sobre o conflito árabe-israelense sem conhecer alguns detalhes que são imprescindíveis para a compreensão dos fatos. É preciso saber como foi feita a partilha das terras entre palestinos e judeus pela Organização das Nações Unidas, lá pelos idos de 1947. Deve-se conhecer minimamente a guerra da independência dos judeus, denominada ‘A Catástrofe’ pelos palestinos. Saber que ao seu fim, a resposta dos países árabes circundantes foi os famosos ‘Três Nãos’ e a promessa aos palestinos que, se fossem embora, um dia retornariam para ocupar toda a terra.
É preciso ter a ânsia de satisfazer a curiosidade sobre a nomenclatura do lugar e dos povos, já que palestinos eram os judeus que viviam nesse lugar e, hoje, são os árabes que têm suas origens nas antigas terras palestinas do protetorado britânico. É preciso ter acompanhado o processo que transformou aquele pedaço de chão em um caldeirão à beira da fervura e que culminaria com a Guerra dos Seis Dias (nome judaico) ou Guerra de Junho de 1967 (nome árabe).
Saber quais foram as terras ocupadas e a quem elas pertenciam, já que não eram palestinas, mas egípcias, jordanianas e sírias. Saber que para alguns essa guerra ainda não acabou, posto que nenhum termo de paz foi assinado entre Israel e Síria. Há que conhecer o movimento dos refugiados palestinos para os países vizinhos e dimensionar o impacto gerado nas comunidades e na política local desses países. Ler um pouco a história e conhecer o modo de vida precário a que foi relegada essa horda de gente sem terra e sem lar, que descobriu ser palestina quando não foi aceita em qualquer outro país vizinho.
Saber, por exemplo, que o nome Setembro Negro, do grupo palestino que seqüestrou e matou os atletas israelenses nas Olimpíadas de 72, em Munique, foi retirado de um massacre contra palestinos empreendido pelo governo jordaniano em terras jordanianas. Conhecer a Guerra de Yom Kippur, as várias tentativas fracassadas de paz e os motivos de seus insucessos. A fundação da Organização pela Libertação da Palestina por Yasser Arafat, o que ela defendia e o que defende hoje sob o nome de Fatah. A guerra civil no Líbano, que durou 25 anos. A constituição do grupo fundamentalista de inspiração xiita Hezbollah e seu estatuto, que nega a existência do Estado judaico, em nome da Sharia – lei religiosa islâmica que afirma serem todas aquelas terras muçulmanas.
Conhecer a história dos militantes do Hamas, outro grupo radical que se recusa a aceitar o país vizinho e as razões da rixa com o rival Fatah. Saber que existe um esquema escuso de financiamento do terrorismo que arma esses grupos e ter a consciência de que o terror não é a única resposta possível de um povo que merece viver em paz em seu próprio Estado constituído. Ao contrário, o terror só alimenta ciclos de violência entre árabes e judeus. É necessário compreender que não há respostas fáceis e as variáveis neste jogo são inúmeras. Não é possível condenar somente um lado e defender atitudes moralmente condenáveis empreendidas pelos grupos radicais Hezbollah e Hamas na região e que somente fomentam ainda mais o ódio.
A mediocridade informativa
É preciso saber que dos dois lados existem pessoas comuns que sofrem com as ofensivas de ambos os lados. Que Israel também reage, e não somente age. Que pessoas comuns sofrem nos dois lados. Que ao sul de Israel moram pessoas que estão vivendo em abrigos anti-aéreos porque estão sendo atacadas diariamente por mísseis lançados de Gaza pelo Hamas.
Resumindo: não é simples e é preciso colocar um olhar crítico sobre os desmandos de ambos os lados. Nada justifica a atitude benevolente de parte da imprensa diante do modo de condução política dos grupos fundamentalistas islâmicos que operam, atuam e estão no comando de alguns lugares desta região. Um erro de um lado não pode, jamais, justificar o erro cometido pelo outro lado. Infelizmente, não estamos diante de uma história fácil e clássica vivida por heróis e por bandidos.
Se essa imprensa quer realmente fazer alguma diferença no Oriente Médio, que não tenha medo de arriscar além de seus esquemas pré-formatados, caindo, inclusive, no risco de não ter seu trabalho sequer publicado e ainda tachado de parcial pró-israelense. Uma possível paz merece o esforço intelectual contra certa mediocridade informativa.
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Estudante do 7º período de jornalismo na Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG