O artigo ‘
Quando os seres humanos tremem‘, publicado neste Observatório em 29/3/2011, escrito por Michelson Borges, muito me intrigou. Nosso articulista se pauta pela bíblia e suas pseudo-profecias a fim de justificar as catástrofes naturais, como terremotos. De início, temos de entender que a questão das ‘profecias’ não trata de profecias propriamente ditas, mas de um discurso dirigido a pessoas de sua época acerca de fatos de sua época ou de épocas passadas.
Os exemplos mais emblemáticos são o Livro de Daniel e o Livro de Isaías, no Velho Testamento, e o Livro do Apocalipse, no Novo Testamento. Vejamos de que trata a literatura apocalíptica. Esta forma de literatura surgiu por volta do século II a.C., contra o rei Antioco IV, o qual queria pela força que judeus adotassem a cultura grega. Já o cativeiro da Babilônia foi por volta do século VII ou VI a.C., quando o rei era Nabucodonosor e o suposto Daniel teria vivido. Uma das maiores impropriedades desse livro é dizer que o rei Dario era medo, em vez de persa, e de haver muitas transcrições em grego no livro, sendo que o gênero literário e forma de escrever o remete realmente ao século II a.C.
Mas, durante o Cativeiro da Babilônia, ocorreu o sincretismo entre a religião persa e a hebraica, uma vez que os persas foram os libertadores do povo hebreu. A religião persa se denominava Zoroastrismo e seu expoente foi Zaratustra. Este acreditava no fim do mundo. Considerava ter recebido de Ahura Mazda (o deus supremo) a missão de convocar a humanidade para a batalha final contra o mal, e que no futuro um homem (Saoshyant – no total, três) viria para salvar o mundo. Na concepção judaica, o ungido não é um ser sobrenatural, mas um libertador humano, filho de pais humanos, mas com estrito relacionamento com Deus.
Ciro libertou os hebreus
Ciro foi quem libertou os judeus da Babilônia e, portanto, para os povos da antiguidade, ele representou um messias (era humano, deste mundo, e foi um libertador). Quanto às ‘visões’ de Daniel, elas são apenas uma forma de dar ânimo ao povo para não esmorecer diante do longuíssimo período de invasões que Israel provou.
O contexto destas ‘profecias’ é meramente político, se feita uma análise histórica do período em que, presumivelmente, o suposto Daniel vivera. Fala apenas do possível triunfo dos israelitas em um tempo que não se sabe quando. Quanto ao suposto Isaías, ele teria vivido pelos séculos VIII e VII a.C. e não foi um único autor, uma vez que há descontinuidades dentro deste livro:
Do capítulo 1 ao 39: é o proto-Isaías que escreveu parte destes capítulos. Alguns dos capítulos aqui citados possuem dados adicionais posteriores à época em que este autor teria vivido (séculos VIII e VII a.C.). Este livro se preocupa muito em firmar YHWH como o deus supremo e absoluto, bem como condena a aliança com potências estrangeiras. A preocupação do autor era o perigo de haver o abandono da religião judaica em prol das crenças das outras nações, o que de fato ocorria à época do autor. Israel era politeísta e YHWH era apenas um dos deuses de seu panteão. O primeiro Isaías fala sobre o profeta e sua época, mas se trata, no cerne da questão, de uma crítica político-social aos israelitas da época, desviados daquilo que determinava a lei mosaica, fosse à época do autor, fosse em épocas anteriores.
Dos capítulos 40 a 55, temos o deutero-Isaías (550-540 a.C., época do cativeiro da Babilônia). Falava de um libertador que iria resgatar o povo de Israel e enviá-lo de volta para casa. Isso se deu após o cativeiro da Babilônia em que Ciro libertou os hebreus do jugo babilônico.
A pressão da água no leito oceânico
Dos cap. 56 a 66, temos o trito-Isaías. Parecem ser acréscimos ao deutero-Isaías e feitos por vários autores. É um chamamento a que Israel volte a ter sua unidade por um povo, território e religião. Ao que parece, este livro, que é uma coletânea de profecias, foi encerrado por volta de 400 a.C.
Quanto ao Apocalipse (escrito por volta de 96 d.C.), este já aconteceu durante o período em que Calígula a Trajano (quando as coisas ficaram menos ruins para os cristãos) de 12 a 117 d.C. governaram Roma. Nesta época, Roma perseguiu cristãos, houve o desastre de Pompeia, sendo Patmos (onde o suposto escritor do livro vivia) uma ilha vulcânica onde havia tremores e fumaça constante no céu.
Nesse aspecto, dizer que estes livros são proféticos é um engano, uma má interpretação a fim de idealizar Jesus como o messias. Ora, o suposto Jesus não libertou nada nem ninguém, pelo contrário trouxe a desgraça ao povo judeu com 2000 anos de perseguições. Portanto, Jesus não é o ungido ou messias algum, o que derruba a tese de nosso articulista.
O sofrimento humano não é um ‘megafone de Deus’, mas um ‘megafone da natureza’. Nosso planeta está passando por um processo de aquecimento por culpa nossa, de nossa ganância. O gelo das calotas polares está derretendo e os prognósticos de alguns especialistas em Geologia não são bons. A elevação da temperatura planetária está derretendo as calotas polares. Com isso, o volume de água nos oceanos aumentará. Sabemos que um metro cúbico de gelo tem uma massa menor que o mesmo volume de água, ou seja, sua densidade é cerca de 10% menor que a da água. Essa água faz uma maior pressão no leito oceânico e pode trazer consequências para as placas tectônicas, muito abaixo da superfície, uma vez que a crosta terrestre, dizem os especialistas, é mais sensível do que muitos imaginam. Há casos muito bem documentados de represas produzindo terremotos devido ao peso da água acumulada nos reservatórios.
Clima e sismologia
Assim, com o aumento na pressão sobre a crosta terrestre, eventos geológicos extremos, como terremotos, maremotos e erupções vulcânicas, aumentarão. Segundo Patrick Wu, da Universidade de Alberta, ‘o peso do gelo exerce um enorme estresse sob a crosta e de alguma forma inibe os terremotos, mas se o gelo derreter ocorrerão mais terremotos. É o mesmo que espremer uma bola de futebol; ao retirar o peso, ela retornará a sua forma original’. Wu afirma que o derretimento do gelo no Ártico já vem provocando um número maior de tremores na região e deslizamentos subterrâneos, mas que não estão merecendo maior atenção.
Allan Glazner, um expert em vulcões da Universidade da Carolina do Norte, afirma ter encontrado evidências da relação entre o clima e atividade vulcânica na costa da Califórnia. ‘Quando fui à biblioteca e pesquisei, vi que em muitos lugares ao redor do planeta há uma conexão climática com a sismologia, especialmente no Mediterrâneo’, explicou. Para Glazner o maior impacto se dá nas áreas que perderam gelo, ao contrário de toda base do oceano. ‘Se o glaciar derrete, a água vai para o mar e se distribui em toda a superfície, podendo adicionar um milímetro para o mar, mas onde houve o derretimento, se tirou um quilômetro de gelo do local onde havia o glaciar’, sustentou o professor norte-americano.
Faça o bem, não importa a quem
‘Em todo o mundo existem cada vez mais evidências de que as mudanças no clima mundial podem afetar a frequência de terremotos, erupções vulcânicas e deslizamentos catastróficos no fundo do mar’, afirmou o geólogo britânico Bill McGuire na revista New Scientist. ‘Não apenas ocorreu diversas vezes ao longo da história, como está se verificando novamente’, complementou o professor do University College em Londres.
Assim, não se deve adotar uma postura medieval, recheada de superstição, e dizer que as catástrofes naturais têm um desígnio divino sob a forma de castigos, de modo a alertar o homem e conclamar todos a uma conversão a um deus qualquer. Basta raciocinarmos de forma científica e procurar correlações com os mais diversos fatores.
Quanto ao fim do mundo, eu tranquilizo nosso articulista: ele virá para todos os seres viventes neste planeta, mais rápido que imaginamos. Não pela agonia de nosso sol, dentro de 3 a 5 bilhões de anos, mas em datas distintas, pois todos nós morreremos um dia.
Assim, sejamos felizes e amenizemos o sofrimento daqueles que necessitam, pois tal conduta não esvaziará sua ‘alma’ e preencherá outra. Faça o bem, não importa a quem.
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Funcionário público, São Paulo, SP