O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez enquadrou os bravos empresários numa reunião no Palácio do Planalto, na quarta-feira passada (24/10). Falou durante uma hora, comandou o espetáculo e ouviu mais elogios que reclamações dos chamados pesos-pesados da indústria, dos bancos e do varejo.
Os jornais deram mais ou menos as mesmas informações brutas, mas com uma enorme diferença de tom. Essa diferença pode ser uma questão de estilo, mas não é inócua. Empresários com uma longa pauta de reclamações e reivindicações ficaram cara a cara com o chefe de um governo acusado freqüentemente, por eles mesmos, de gastar demais, de gastar mal e de sufocar a economia com impostos excessivos e de baixa qualidade. Que acontece num encontro desses?
‘Lula diz a empresários que carga fiscal será mantida’, informou o Estado de S. Paulo em manchete. ‘Lula colhe elogios em platéia de 96 empresários’, destacou o Valor, acentuando numa segunda matéria a sua cobrança: ‘Presidente pede ousadia em investimentos que evitem o retorno da inflação’. A Folha de S. Paulo foi menos caridosa: ‘Diante de Lula, empresários ‘emudecem’ sobre a CPMF’. O Globo foi mais sintético, mas não menos contundente: ‘Companheiros empresários’ foi o título de abertura de seu caderno de Economia.
Um dia antes, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) havia divulgado uma carta do setor com uma avaliação da economia brasileira e da política oficial. O diagnóstico era dividido em ‘avanços’, ‘áreas sem avanços’ e ‘retrocessos’. Neste item estavam incluídos a tributação e os gastos públicos.
Faltou firmeza?
Era razoável esperar dos chamados líderes do setor privado, acostumados a esbravejar em discursos e entrevistas, alguma firmeza diante do presidente. Além disso, a CPMF era um dos grandes assuntos da semana, com Lula e vários ministros empenhados em conseguir a renovação do tributo. Mas ocorreu o contrário: em vez de cobrar, os grandes homens de negócios acabaram recebendo uma exortação e ainda saíram justificando as posições do governo.
As diferentes formas de abordar o assunto dão um bom material para discussão em redações e em cursos de jornalismo. Qual o melhor detalhe para abertura e para título: o afrouxamento dos empresários, muito valentes até algumas horas antes do encontro, ou as cobranças formuladas por Lula, vigorosas, mas em grande parte repetitivas?
Para os empresários, o encontro com o presidente não devia ser uma visita social, principalmente porque o grande tema político de seu interesse, na semana, era a negociação da CPMF. A situação era de confronto, mas o presidente Lula virou o jogo. Poderia tê-lo virado falando sobre futebol, sobre a acumulação de reservas ou sobre uma dúzia de outros assuntos.
Se os empresários houvessem apresentado uma opinião firme – contra a CPMF e a favor do corte de gastos – teriam acrescentado um fato importante ao quadro político. Em contrapartida, o conteúdo da fala de Lula dificilmente seria, por si, uma notícia relevante, exceto se ele dissesse algo diferente do que vem repetindo há tempos (é preciso manter a carga tributária, é necessário contratar mais, o empresariado não tem de que reclamar e assim por diante). Neste caso, a descrição do contexto e a referência à expectativa de confronto eram absolutamente essenciais para uma boa cobertura e também uma dificuldade extra para a edição.
Venezuela no Mercosul e imposto sindical
Contexto foi a palavra chave para várias das coberturas mais importantes da semana passada. A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados aprovou o ingresso da Venezuela no Mercosul. O projeto ainda irá ao plenário e, se passar, será submetido ao Senado. Todas as matérias citaram argumentos apresentados pelos parlamentares, mas nem todas informaram os detalhes da negociação com a Venezuela, as condições de implementação do acordo e os compromissos assumidos até agora. Isto ajudaria o leitor a entender e a avaliar o assunto. A Folha ofereceu ao leitor, ao lado da matéria principal, um bom resumo da história.
Contexto envolve memória e compreensão histórica dos problemas. O imposto sindical é tema de um velho e importante debate político. Esse debate envolve os vínculos entre Estado e organizações de classe. Vale a pena recordá-lo, quando se discute, no Congresso, a entrega de 10% desse imposto às centrais sindicais. Com um pequeno artigo assinado pelo sociólogo Francisco de Oliveira, a Folha de S. Paulo deu a dimensão histórica do assunto e enriqueceu o material sobre a tramitação do projeto.
Imposto do cheque
Especialização serve também para isso – para enquadrar os temas importantes. O noticiário sobre o projeto de renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, tem sido eficiente na descrição das barganhas entre governo e partidos.
Não há barganhas, têm dito o presidente seus ministros, num esforço inútil para negar os fatos mostrados pela imprensa (será essa a tal ditadura dos meios de comunicação?). Mas tem faltado uma boa discussão da própria CPMF.
Se esse tributo é tão defeituoso quanto dizem os críticos, terá sentido mantê-lo, em troca das concessões cobradas pelos oposicionistas? A cobertura seria bem mais informativa, e politicamente mais relevante, se cuidasse também dessa questão, ajudando o leitor a avaliar melhor os custos e benefícios das condições negociadas entre o PSDB e o Ministério da Fazenda.
A matéria mais próxima disso foi a manchete da Gazeta Mercantil de segunda-feira (29/10). A reportagem mostra como a CPMF atinge todos os contribuintes, e não só quem tem conta em banco, mas faltou discutir mais amplamente o efeito desse tributo na formação de custos e na competitividade da produção nacional.
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Jornalista