Considero justo e coerente que o lamentável acidente automobilístico ocorrido em 3/9/2006 com jovens de classe média no Rio de Janeiro tenha sido amplamente divulgado na imprensa e que tenha levado a maiores reflexões, como a associação perigosa entre bebida e direção. No entanto, gostaria de entender os critérios da mídia para avaliar quais acidentes e vítimas se transformarão em notícia e conseqüentemente em assunto em pauta para discussão na sociedade.
Tentarei explicar o motivo da minha indagação: no dia 14 de setembro, estava eu assistindo ao jornal (de rede nacional) do canal SBT quando sua apresentadora noticia um acidente com quatro operários da construção civil, que trabalhavam num andaime (em prédio na Vila Sônia, a 70 metros do chão – estas informações consegui depois na internet) que explodiu; o fogo atingiu os trabalhadores e um deles caiu do andaime. Houve duas mortes. Acredito que qualquer indivíduo – com as faculdades de pensar e julgar – conseguiria avaliar a grandeza da tragédia ocorrida naquele prédio.
No entanto, a notícia foi dada num flash, não houve relato de nomes dos envolvidos e pior: pela forma com que a apresentadora anunciou a notícia, mal se poderia imaginar que o acidente ocasionou vítimas fatais. Pela expressão da apresentadora, mais parecia que ela estava noticiando um caso que envolvia mais aventura do que “tragédia” (como aqueles programas americanos at live, onde as pessoas estão numa enrascada, mas que no fim sempre conseguem se salvar).
Na contramão
Minha indignação foi tanta que fiz questão de assistir ao jornal de rede nacional de outro canal (Rede Globo), para verificar como seria dada a mesma notícia. Não para meu espanto, a notícia foi veiculada da mesma forma, uma rápida imagem e meia dúzia de palavras. Nem sequer uma imagem ou uma fala do responsável pela obra no prédio para qualquer explicação possível .
Ora! Um acidente horrível como este não deveria levantar algumas questões na imprensa brasileira? Se o acidente ocorreu devido a uma ponta de cigarro, será que estes trabalhadores foram bem orientados de que estavam trabalhando com um produto inflamável? Estes trabalhadores, atuando em atividade de risco como esta, não deveriam receber capacitação referente à segurança? Estes trabalhadores usavam equipamentos de proteção?
Da mesma forma que o acidente automobilístico com os jovens suscitou enorme discussão na imprensa brasileira, este acidente deveria ter recebido mais respeito da mídia, pelo menos em consideração às milhares de vítimas brasileiras de acidente de trabalho. Então fica a questão: qual o valor da vida (e da morte) de um pobre para a imprensa brasileira?
Tudo isso me faz lembrar uma música do Chico, Construção: “…E se acabou no chão feito um pacote bêbado/Morreu na contramão atrapalhando o trânsito…”
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Antropóloga formada pela Unicamp, funcionária pública, Campinas, SP