Corpos nus, entretenimento, festas, juventude, beleza, potência. Eis alguns elementos que configuram o universo gay contemporâneo. Pelo menos, é o que parece saltar das páginas das revistas dirigidas a este público no país. Como meios segmentados que são, as revistas costumam ser uma vitrine na qual o leitor deve se inspirar. Formatam gostos, criam estilos, influenciam comportamentos. No caso do homossexual, as revistas do gênero parecem apostar numa única fórmula: em seus projetos editoriais, têm representado um homossexual que não perde oportunidades de diversão, é atraente, jovem, musculoso, bem informado, com alto poder aquisitivo, viril e sedutor. Um gay que valoriza a aparência e cujo principal lema é aproveitar a vida.
Ser o gay pressuposto por estas revistas parece indicar uma conformidade com a cultura do consumo e do hedonismo. Por trás da construção homossexual empreendida em suas páginas, está o mundo das mercadorias. É ele quem dá o tom, oferecendo um estilo de vida com base em produtos e serviços colocados à disposição no mercado. O consumo funciona como uma experiência formadora e constitui uma dimensão importante da pedagogia homossexual proposta. É por meio daquilo que consome que o gay leitor aprende a ser o que é. Ele não seria o mesmo sem as roupas que usa, sem os cosméticos que compra, sem as festas que frequenta, sem as viagens que realiza. Vide a grande ênfase dada a matérias de turismo, beleza, moda e entretenimento. Todos estes elementos, presentes nas principais revistas gays nacionais e que possuem o consumo como catalisador, estruturam o perfil homossexual desejado.
Tais revistas como produto cultural – e, portanto, itens a serem consumidos pela sociedade – fazem do consumo um suporte importante para a identidade homossexual construída em seu universo e refletem um universo de prazer, já que tais possibilidades aparecem como formas de maximizar a felicidade. Baladas, viagens, roupas, cosméticos e a busca pelo corpo perfeito seriam nada mais nada menos do que caminhos legítimos em busca da plena realização pessoal. Válvulas de escape que funcionariam como uma maneira bastante questionável de enfrentar um mundo ainda marcado por intolerâncias e preconceitos em relação à diversidade sexual.
Dor e delícia
Não seria incorreto supor que a gramática que prega ser jovem, belo e andar na moda funcionaria como uma forma de navegação social bastante conveniente para os homossexuais, indivíduos historicamente discriminados. Ao estar em consonância com os predicados de um sujeito bem sucedido, o gay pressuposto por tais publicações teria mais condições de inserção e aceitação na sociedade, funcionando como uma tentativa de minimizar os estigmas decorrentes de sua sexualidade, comumente associada a traços negativos. Uma espécie de pedido de licença para a própria homossexualidade.
A afirmação homossexual proposta pelas revistas gays parece, assim, estar mais centrada na aparência física do que num pretenso ativismo político/contestador. Ao promover um recuo de pautas que toquem em temas controversos ou impliquem num maior aprofundamento, o universo dessas revistas acaba suavizando os conflitos inerentes ao fato de ser homossexual. Um mundo sem grandes dores. Elas parecem esconder ou pelo menos aplacar a sociedade preconceituosa da qual, inclusive, são vítimas, no que concerne, por exemplo, às dificuldades na venda de espaços publicitários e questões de circulação. Ao propor um gay que é puro gozo e diminuir o espaço de crítica e de questões demasiado polêmicas, tais publicações deixam, muitas vezes, de se posicionar ativamente e assumir a dianteira no enfrentamento de questões caras aos homossexuais.
Tudo aponta para uma trilha de permanente prazer e plena satisfação, pouco prováveis. Parece que nos limites dessas publicações tudo se resolve através de suas cartilhas marcadas pelo entretenimento, opções de lazer, dicas de moda, beleza e viagem, histórias de sucesso e superação, recheadas de gente que arrasa, que ferve, que fecha, que faz e acontece. Gente cuja vitória traduz-se na aparência física e que faz do corpo seu maior trunfo. Olhares lânguidos, corpos musculosos e ambientações convidativas. Um clima de festa, de delícias, de prazeres. Eis a receita que tem emoldurado as nossas revistas gays e ensejado um super 24, que cabe perguntar: existe, afinal?
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Relações públicas e cronista