Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Racismo e humilhação no supermercado

No dia 7 de agosto de 2009 ocorreu um grave incidente no Carrefour-Osasco que foi solenemente ignorado pela mídia.

‘Tomado por suspeito de um crime impossível – o roubo do seu próprio carro, um EcoSport da Ford –, o funcionário da USP Januário Alves de Santana, 39 anos, foi submetido a uma sessão de espancamentos com direito a socos, cabeçadas e coronhadas por cerca de cinco seguranças do Hhipermercado Carrefour, numa salinha próxima à entrada da loja da Avenida dos Autonomistas, em Osasco. Enquanto apanhava, a mulher, um filho de cinco anos, a irmã e o cunhado faziam compras’ (ver aqui)

A agressão foi objeto de Boletim de Ocorrência no 5º DP de Osasco e certamente acarretará conseqüências jurídicas. Esta não é a primeira disputa envolvendo o Carrefour-Osasco.

Na verdade, não estranhei o incidente. Sou responsável por dezenas de ações trabalhistas ajuizadas por ex-empregados de prestadoras de serviços do Carrefour-Osasco. Meus clientes eram submetidos a revistas todas as vezes que deixavam o depósito do hipermercado. Eles provaram na Justiça do Trabalho que tinham que tirar os sapatos, levantar a camisa e abaixar a calça. A questão das revistas abusivas foi noticiada na edição nº 196 (06 a 12 de julho/2007) do jornal Visão Oeste (Justiça condena hipermercado por revista ‘humilhante’, foi o título da matéria).

‘Indenização por dano moral’

Várias foram as decisões do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo considerando abusivas as revista feitas no Carrefour-Osasco. Os empregadores e o Carrefor-Osasco têm sido condenados por danos morais:

‘2.5. Extrai-se dos depoimentos dos srs. Atevaldo e Josinaldo às fls. 63/64 que a vistoria era diária e de forma aleatória, pois após acionar um botão, se este emitisse algum som, o empregado era dirigido a uma cabine; que sua vistoria era feita por empregados do mesmo sexo e de forma individual; era obrigado a retirar a bota e baixar as calças até o joelho; que também tinha que ser levantada a camisa.

Há justificativa para a indenização por dano moral reconhecida na origem, pois não restou provada a alegação defensiva de que a empresa vinha sofrendo furtos (fl. 110). A vistoria íntima praticada sem demonstração de necessidade viola a privacidade e expõe o Reclamante a humilhações perante colegas de trabalho.

O homem tem que ser presumido honesto até prova em contrário, não o contrário, ainda mais sem a demonstração de uma causa imediata plausível para o procedimento, que não se justifica apenas pelo fato de estar previsto como possibilidade em norma coletiva.

Compete ao Juízo o arbitramento da indenização por dano moral. Considero adequada a avaliação porque atendeu a subjetividade. O Juízo presente à instrução tem o primordial contato com as partes, podendo aferir com sensibilidade o envolvimento e as reações de todos em função das alegações e pretensões’ (TRT/SP, processo nº 00108200738302008, Acórdão nº 20080384239, julgado em 06/05/2008, publicado no DOE em 24/05/2008 – ver aqui).

Comportamento lamentável

Mais detalhes da discussão jurídica sobre as revistas abusivas no Carrefour-Osasco podem ser obtidas na internet. Em julho de 2008 as agressões policiais contra trabalhadores do Carrefour-Osasco que faziam uma manifestação em frente ao hipermercado foram documentadas. O vídeo está no YouTube.

Entretanto, o que ocorreu neste princípio de agosto/2009 é muito mais grave. Um caso de agressão motivada exclusivamente por racismo supera qualquer disputa trabalhista. Este caso me deixou tão consternado que enviei mensagem para a Câmara dos Deputados solicitando que os deputados federais de São Paulo convoquem o presidente do Carrefour para explicar o que está ocorrendo em Osasco. É lamentável que uma empresa francesa se comporte desta maneira exatamente no ano da França no Brasil.

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Advogado, Osasco, SP