Quando uma corte saudita condenou uma jovem estuprada por sete homens a 200 chibatadas, o caso gerou manchetes críticas no mundo inteiro – a exceção ficou com a emissora al-Jazira, que não deu uma palavra sobre o episódio, ocorrido em novembro. O caso sugere o novo posicionamento da rede, que costumava enfurecer a família real da Arábia Saudita com suas críticas. Nos últimos três meses, entretanto, o canal de TV por satélite mais assistido no Oriente Médio, com 40 milhões de telespectadores, vem tratando os líderes sauditas de maneira mais gentil, noticia Robert F. Worth [The New York Times, 4/1/08].
O tom mais cauteloso parece ter influência do governo do Catar, sede da al-Jazira. Há dez anos, a rede foi lançada como um fórum de crítica ao governo saudita, mas como hoje a nação que mais representa uma ameaça à segurança mundial é o Irã, não é recomendável ter atritos com o país sunita vizinho. As ambições nucleares iranianas podem ser prejudiciais ao Catar, onde fica localizada a maior base militar americana no Oriente Médio.
Novo discurso
A emissora não mais se refere aos insurgentes iraquianos como a ‘resistência’ ou a vítimas do exército americano como ‘mártires’. ‘As nações do Golfo Pérsico sentem que estão todas no mesmo barco, por conta da ameaça do Irã e o caos no Iraque’, opina Mustafa Alani, analista de segurança do Centro de Pesquisa do Golfo, em Dubai. ‘Por isso, o Catar concordou em dar aos sauditas a garantia de uma boa cobertura’. Segundo Alani, isto foi feito formalmente em um encontro em setembro na capital saudita, Riad, entre o rei Abdullah e membros do governo do Catar – e que contou com a presença do presidente do conselho da al-Jazira, o xeque Hamad bin Thamer al-Thani.
Diversos funcionários da emissora confirmaram o fato. ‘Recebemos ordens para não falar de nenhuma questão saudita sem a aprovação da administração’, declarou um deles. ‘Todas as vozes dissidentes desapareceram do ar’. Procurados pela agência Associated Press, nem o gerente da al-Jazira, Waddah Khanfar, nem os governos do Catar e da Arábia Saudita quiseram comentar o assunto.
Reconciliação
As mudanças na al-Jazira fazem parte de uma reconciliação mais ampla entre a Arábia Saudita e o Catar. Em dezembro, o príncipe Saud al-Faisal, ministro do Exterior saudita, anunciou que o país iria mandar seu embaixador – que havia saído do Catar em 2002 – de volta ao país. No mesmo mês, os sauditas foram ao encontro do Conselho de Cooperação do Golfo em Doha, capital do Catar; no anterior, eles haviam se recusado a comparecer. Eles também já afirmaram que permitirão a abertura de uma sucursal da al-Jazira em Riad.
A briga entre os dois países teve início na década de 90, quando o governo do Catar acusou os sauditas de armarem um golpe fracassado contra o país. Logo depois, a al-Jazira foi fundada com uma doação de US$ 150 milhões do emir do Catar, xeque Hamad bin Khalifa al-Thani. A estação foi ajudada pela BBC em árabe, que era de co-propriedade de uma empresa saudita que faliu posteriormente.
Em 2002, quando a al-Jazira exibiu um debate sobre a posição saudita em relação à questão palestina, após uma tentativa de acordo de paz para o conflito entre israelenses e palestinos, os sauditas retiraram seu embaixador do Catar. As transmissões de vídeos de Osama bin Laden – que por anos quis derrubar a monarquia saudita – também não agradavam à Arábia Saudita.